Cheguei em casa pingando de suor. O sol estava quente e fez com que meu cabelo volumoso se tornasse quente também. No entanto, o cheiro doce de pêssego ainda continuava nele.
— Filha, tenho uma novidade e tanto para te contar — fiquei esperando, quieta. Tudo que eu queria era que ela me mudasse de escola, mesmo sendo pela 6ª vez. Como ela viu que eu não dizia nada, continuou. — Consegui um emprego para você. Finalmente você vai poder ajudar com as despesas da casa, querida.
Só podia ser brincadeira. Eu mal tinha tempo para me dedicar aos meus livros.
— Eu tenho certeza que vai ser bom para você, Zo — disse, percebendo minha expressão preocupada. — Agarre essa chance que a vida está lhe dando, meu bem.
— Onde é? O que vou fazer? Que horas vou entrar? — Eu disse, atropelando as palavras e mal contendo a inquietação.
— Abriram um novo restaurante a umas cinco quadras daqui. Estão procurando por funcionários e, quando eu soube, fui indicar você. Eles fizeram um questionário básico e disseram que você se encaixaria na cozinha lavando os pratos, juntamente com uma outra moça.
— Claro, claro... O que melhor uma negra pode fazer senão lavar pratos? — ironizei.
Minha mãe demonstrou tristeza, mas resolveu não responder.
— Mas então, você aceita?
— Sim, mamãe. Começo quando? — soou mais pouco empolgada do que eu esperava.
— Amanhã mesmo. Eles vão te passar todas as informações quando você chegar lá. Ah, já ia me esquecendo! A partir de agora você terá de levar marmita para a escola, tudo bem? Trabalhar num restaurante exige que você se ausente da alimentação em casa, às vezes. Por isso saia da escola e vá direto para o trabalho. Me desculpe por isso, Zo, mas não podemos deixar de aproveitar essa oportunidade maravilhosa que a vida nos ofereceu.
— Certo — eu disse, com água nos olhos.
Deixei a cozinha e, naquele momento, senti como se meu sonho de ser atriz fosse trocado por algo que nunca pensei que fosse fazer, apesar de associarem a cor da minha pele, somado ao fato de eu ser mulher, com um amontoado de louças. Inacreditável.
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Privilégio negro
Non-FictionEm qualquer lugar que vou, pessoas dizem que o mundo é perfeito. Se para eles perfeição é ser tratada como sou, recebendo adjetivos como macaca, carvão, favelada e carniça, então sim; sou um ser completamente perfeito. Capa por: @thelourryfactor