Apesar da hora praticamente não passar, chegamos ao fim da última aula. Saí da sala e sentei para comer. Ouvi pessoas dizendo coisas do tipo "a Zola porquinha comendo lavagem" ou "que nojo, quem comeria algo feito por uma pessoa dessa cor?". Ignorei, como sempre. Eu não tinha muito tempo nem para comer, que dirá para discutir com pessoas totalmente desnecessárias.Saí da escola e fui direto para o restaurante. Achei que demoraria mais tempo para chegar, mas levei apenas 20 minutos. Parada em frente a porta do local, pude ver o luxo; o vidro que compunha o restaurante permitia-me observar as cadeiras estofadas e as mesas cor de ouro. O piso era constituído de uma espécie de mármore, enquanto as paredes eram decoradas por um papel de parede azul, que dava ao lugar um ar de tranquilidade. Havia enormes lustres que iluminavam as mesas num tom amarelado. Por fim, no meio do restaurante havia um elevador que levava ao segundo andar. Entrei, deslumbrada com tanta formalidade.
- Com licença, senhor. Gostaria de falar com alguém sobre meu emprego na cozinha como lavadora de pratos. - perguntei a um homem que se localizava no balcão.
- Deixe-me ver... - ele pegou umas anotações na gaveta. - Zola, certo? - confirmei com a cabeça. - Pode me acompanhar, por favor.
Ele me levou até uma sala que antes eu não havia percebido. Com certeza lá ficava o gerente. Mal havia tido o pensamento quando avistei um homem, cujos cabelos eram grisalhos. Ele vestia um terno preto com uma gravata roxa e suava, apesar do ar condicionado.
- Zola, querida. Sente-se, por favor. Temos muito o que resolver.
Há alguns minutos, ali era o último lugar onde eu gostaria de estar. No entanto, na medida em que o homem falava, a coisa toda não parecia ser assim tão ruim. Eu tinha tanta experiência com agressões verbais que realmente esperei uma vinda daquele homem, mas ele permaneceu educado. Seria apenas aparência por estar dentro de um restaurante tão renomado? Essa seria hipótese plausível mas, de verdade, nada importava. Afinal, por aparência ou não, todas as pessoas merecem ser tratadas com respeito.
- Zola? - Ouvi a voz do homem invadindo meus pensamentos. Como percebeu que eu escutava com atenção dessa vez, continuou. - Como eu ia dizendo, o horário de funcionamento do restaurante ocorre na hora do almoço e também à noite, no jantar. Você terá uma companheira, que ajuda na limpeza da cozinha. Quanto ao salário: ele será mensalmente e a quantia gira em torno de 500 reais. Espero que você goste daqui. Será um prazer tê-la conosco.
500 reais? Eu não estava acreditando. Quer dizer que vou praticamente viver de lavar pratos, deixar meus livros e meus estudos de lado e quase não ter nenhum descanso por apenas 500 reais? Ao que tudo indica, sim.
- Obrigada, senhor... - fiquei esperando ele dizer o nome, torcendo para que ele já não tivesse dito enquanto eu estava distraída.
- Rubens. Sempre à disposição, docinho. - Completou, para meu alívio.
Dei um sorriso torto enquanto ele se levantava para me mostrar a cozinha. Segui-o e, quando finalmente chegamos, pude notar que ela era afastada. Mal tinha ventilação e só de pensar nisso comecei a suar.
Parada em frente à mesa, uma mulher negra, cuja coloração da pele era ainda mais escura que a minha, vestia uma roupa composta de alguns furos. Na região da barriga, pude ver que havia uma mancha molhada na camiseta azul da moça. Descobri de onde vinha quando avistei um balde parado em frente a ela, cheio de água com um pano dentro.
- Essa é a Janaína - disse Rubens, apresentando minha colega de trabalho. - Espero que vocês tenham uma boa convivência.
Apesar da expressão de cansaço, Janaína olhou para mim e deu um sorriso torto. Naquele momento, soube que meus dias na cozinha seriam melhores do que imaginei. Havia encontrado uma amiga. Aliás, a única até agora.
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Privilégio negro
Non-FictionEm qualquer lugar que vou, pessoas dizem que o mundo é perfeito. Se para eles perfeição é ser tratada como sou, recebendo adjetivos como macaca, carvão, favelada e carniça, então sim; sou um ser completamente perfeito. Capa por: @thelourryfactor