Um acontecimento nojento

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  Carvão, cor de merda, macaca, carniça, favelada. Quantos elogios recebidos num único dia, não? Geralmente era esse tipo de adjetivo que eu ouvia com bastante frequência na escola. Quando não era pretinha fedida era cabelo duro de bombril. Estava ficando cada vez mais insuportável frequentar aquilo que chamam de formação da educação. Aliás, que grande ironia. Como podemos falar de educação no lugar onde sou mais desrespeitada? Eu já havia deixado de me importar com pessoas tão mesquinhas. Não adianta bater boca. Aprendi a ignorar porque precisava de energia para lavar pratos mais tarde. Falando nisso, estava ocorrendo tudo muito bem com meu emprego, na medida do possível. Passei a ver minha mãe só à noite, quando eu chegava. Trocávamos cerca de dez palavras e íamos dormir. Minha mãe andava sempre cansada por conta do trabalho exaustivo. Provavelmente ninguém sabe, mas eu sou fruto de um estupro. Quando minha mãe tinha apenas 14 anos, um homem a abordou na rua enquanto ela ia ao supermercado. Tudo aconteceu muito rápido. O filha da puta que biologicamente (e somente isso) é meu pai, pegou minha mãe por trás e jogou-a no chão. Apesar de ser negro, sabia que minha mãe tinha uma coloração mais escura. Por isso ele jogou a camisa sobre o rosto dela, alegando sentir nojo de pessoas daquela cor. O que ele precisava era apenas do que se encontrava abaixo do umbigo. Bom, não preciso terminar a história. Eu nunca conheci esse homem e espero, de verdade, nunca ter a oportunidade de fazê-lo. Às vezes eu me sinto um peso para minha mãe. Não deve ser nada fácil olhar para mim e lembrar do pior momento que ela teve. Não que eu esteja duvidando do amor dela por mim. Sei que ela me ama incondicionalmente. Mas, como eu ia dizendo, minha mãe andava muito exausta e, por causa do trauma de ter sido violentada sexualmente, ela começou a passar as roupas de uma mulher após o trabalho rotineiro, porque a desocupação levava à lembrança do acontecimento nojento. Eu sentia pena de minha mãe. Ela não merecia ter passado por tudo aquilo. E pensando nisso, eu tinha energia para sair da escola e ir direto ao restaurante. Eu precisava fazer isso por nós.

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