Capítulo 2

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"Ela já acreditou no amor, mas não sabe mais".

(Projota- Ela só quer paz)


Os olhos azuis de Giuliana fitavam a tela do notebook por apenas mais uma vez, apesar de saber que não surgiria uma vaga no final da tarde. Dois dias já tinham se passado desde que todas as portas profissionais se fecharam e aquela era a sua última chance antes de aderir à sugestão de seu noivo.

Sabia que se começasse a trabalhar em qualquer outra coisa que não fosse professora, jamais sairia até que fosse demitida. Giuliana se conhecia melhor do que ninguém e em hipótese alguma trocaria o certo pelo duvidoso, mesmo que surgisse a vaga ideal. Era melhor ser aparentemente um sucesso do que um fracasso. Um emprego era o que ela precisava para atender às expectativas.

A campainha soou ao mesmo tempo em que seu celular vibrou sobre a cama. Mensagem de Tatiana.


Falta uma hora para o encontro. Espero você lá.

Tatiana era sua prima, melhor amiga, colega de curso e talvez ainda fossem ser muitas coisas mais na vida, além de ser a única que sabia sobre o momento fracassado pelo qual Giuliana passava e, por isso, a insistência em tirá-la de casa. Pensar nos problemas só atrai mais problemas se você não estiver disposta a encontrar a solução correta. Também era a única pessoa com quem Giuli conseguia desabafar sem sentir o fracasso que carregava como um colar pesado, aliás, Tati discordava completamente do conselho de Rafael.

"Você ganha dinheiro dando aulas particulares, é nova, não tem que ter pressa. Uma hora o emprego aparece e o Rafael é um idiota por querer mandar na sua vida." Era o que ela repetiria todas as vezes em que tivesse a oportunidade.

— Giuli, Rafael está aqui. – Sua mãe apareceu na porta do quarto.

Os mesmos olhos azuis, igualmente branquelas, lábios rosados e de boneca. Giuliana era o clone de sua mãe mais nova e sempre se perguntou se era nela que Dona Maria via a chance de realizar seus próprios sonhos, de fazer dar certo. Ignorou a mensagem de Tati mais uma vez e seguiu para a sala.

— Passei só para te dar um beijo e dizer que tenho uma notícia ruim – Rafael falou assim que Giuliana apareceu.

O cômodo era pequeno, fazendo às vezes de sala de estar e de jantar ao mesmo tempo. Rafael começou a andar na direção dela, ainda usando sua roupa social do trabalho, o terno impecável apesar de uma jornada intensa, os cabelos pretos ligeiramente bagunçados com seus cachos. Abriu os braços para acomodá-la e Dona Maria logo saiu da sala, deixando-os a sós porque era fã de carteirinha daquele relacionamento. Ele é um rapaz centrado e dedicado, era o que sempre dizia orgulhosa do genro.

— Surgiu uma conferência em São Paulo muito importante – claro, a lista de coisas importantes que levam ao sucesso — e seria muito interessante se eu fosse durante meu período de duas semanas de férias. Você vai ficar muito magoada?

Naquele momento, seus olhos eram doces e totalmente focados em Giuliana enquanto suas mãos alisavam o cabelo escuro dela, bagunçando a franja. Aspirou o perfume masculino dele, da marca Azzaro, presente que comprou com suas economias para agradá-lo no último aniversário em setembro. Lamentava internamente pela vida adulta ser tão difícil e tão diferente de como imaginara que seria.

— Desculpa, mas alguém tem que trabalhar. Você sabe disso – sua voz indicava que realmente sentia muito.

"Alguém tem que trabalhar?" Era sério que Rafael estava usando o ponto fraco dela para conseguir viajar sem reclamações?! Chegava a ser contraditório preocupar-se com o que ela sentiria com sua ausência e não se importar com o efeito daquela frase. Giuliana afastou-se daqueles braços que, no momento, não serviam de proteção.

— Alguém tem que trabalhar? É sério isso? – Rafael pareceu realmente arrependido, mas a sua opinião era aquela, não era? Mesmo que talvez não quisesse externar, existia. — Eu trabalho. Dou aulas particulares, consigo um dinheiro com isso e... Pelo menos, eu vivo! Diferente de você. – Sua mãe retornou à sala, e Giuliana se amaldiçoou por ter aumentado a voz.

— Vive?! – Rafael parecia surpreso. — Ok. Desculpe-me. – Tentou recuperar a distância, mas Giuliana deu alguns passos para trás. — Só não quero que fique que nem o seu irmão porque ensinar os outros a malhar não é trabalho. Quantos anos o corpo dele vai aguentar?

Giuliana pensou que não pudesse ficar mais furiosa. Ledo engano. As escolhas de seu irmão competiam apenas a ele e ter feito Educação Física não o tornava inferior. Qual era o problema com Rafael?!, Giuliana não conseguia parar de se perguntar por que seu noivo estava agindo daquela maneira. Está certo que sempre conversavam sobre seus futuros e sobre o desejo de serem bem-sucedidos, ajudarem suas famílias, seguirem com os padrões que estipularam, mas Giuliana não se sentia culpada pela vida não estar seguindo o comando e menos ainda quando seu noivo vinha esfregar isso na sua cara. Seu corpo estava em chamas e o ódio tinha arranjado um sinônimo: Rafael.

Ah, qual é? Você acha que estou fazendo corpo mole? Que sou uma vagabunda, não é mesmo? É a sua mãe? Ela continua enfiando caraminholas na sua cabeça?

— Giuli, desculpe. – Estendeu as mãos em sinal de rendição, mas ele só queria mesmo o perdão, não era? Ele não sentia muito. — Realmente juro que só estou falando pelo seu bem. Não quero que fique dependendo de mim para ter as coisas.

— Ok. Continue se preocupando com o seu dinheiro, Rafael, e deixe que eu cuide da minha vida. Estou de saída.

Deu mais alguns passos aumentando a distância entre os dois e abriu a porta de vidro de seu apartamento humilde enquanto um turbilhão de pensamentos lhe engolia. Será que ele notava a falta de pintura nas paredes? Ou talvez os móveis simples? Será que ela era a mulher que esperava para a sua vida? Correspondia aos padrões estipulados por ele?

Giuliana sentia-se péssima, como se não merecesse mais o amor daquele homem a sua frente, como se devesse buscar alguém do seu baixo nível por não ter cumprido as expectativas dele, como se não valesse mais a pena. Era complexo, porém dentro dela algo tinha se rompido, como se os dois não fossem mais um casal, fossem apenas duas pessoas lutando por seus futuros. Separadamente.

— Achei que você quisesse se casar comigo.

Rafael parecia realmente magoado, bastante chateado com a noiva, e magoá-lo era a última coisa que ela queria. Os sentimentos e a felicidade dele eram tão importantes para Giuliana que rapidamente seus olhos azuis nublaram-se. Ultimamente só viviam assim.

— Não podemos fazer isso se apenas eu trabalhar – continuou. — A sua avó vive dizendo isso. Não entende que só quero que fiquemos juntos? Você não pode fazer um pequeno sacrifício trabalhando em algo que não gosta? – O nublado se dissipou em água. — Desculpe, não queria fazê-la chorar.

Aquelas mãos fortes emolduraram o rosto dela, ainda tão familiares, tão capazes de afugentar todos os problemas, querendo fazê-la acreditar no amor que prometiam um ao outro há anos. Naquele amor.

Não. Definitivamente, Giuliana era incapaz de senti-lo com um simples toque. Nem ela mesma se amava naquele instante. Era apenas um lixo, sendo pisado por ser uma boba infantil que acreditava em sonhos, vivendo nas nuvens ao invés de buscar uma vida estável.

O que era mais importante? Seu futuro casamento ou ser feliz profissionalmente? Era isso que Rafael parecia estar lhe pedindo. E aquelas dúvidas a engoliram cada vez mais, mostrando que se não desse um rumo em sua vida e em suas escolhas, perderia o noivo que, provavelmente, usaria a conferência para encontrar mulheres bem-sucedidas e à sua altura. Coisa que ela não era.


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Espero que estejam gostando. <3 

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