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— Ele acordou de novo, chefe.

Café mal conseguiu compreender aquelas palavras. Estava exausto. Seu olhos ardiam, estavam injetados, totalmente vermelhos. Sua face estava inchada, quase irreconhecível.

— Quanto avançamos? — indagou a voz de Narsei.

— Muito pouco, menos de 2%.

— O maldito é mais resistente que imaginávamos, mas vai ceder. Mais dia, menos dia, irá ceder.

— Já disse... que não vou...

— Sim, já me cansei de ouvir sua ladainha, Homem-Café. Mas tenha fé, nossas sondas profundas vão eclodir o processo de infiltração, e sinto que falta pouco para isso.

— O que cê qué fazê, é inumano. Cê num é gente, Narsei, é... — Café engoliu as palavras. Narsei chegou bem perto dele, segurando seu queixo e bochechas com as mãos. Olhou-o bem nos olhos. Então, Café viu, primeiro nos olhos, uma fagulha de luz. Uma rede de pequenas escamas que imitavam a textura e cores de pele humana com perfeição começaram a se reconfigurar. O rosto de Narsei se desfez, em seu lugar, um rosto de máquina humanóide, feito de metal vermelho e azul.

— Sim, Café! Você está certíssimo! Não sou humano. A carne de Narsei morreu há quatorze anos naquele incêndio, mas não sua mente. Meu tecido biossintético absorveu a mente de Narsei. Minha consciência, minha programação primitiva se expandiu e juntos, formamos um novo ser. Olhe Café, para a nova face da humanidade. Uma humanidade que estará livre das guerras, livre da ganância e estupidez. Logo você se juntará a mim, no amanhã, quando a humanidade for colocada de joelhos, sem chance alguma de reagir. Eu nascerei, nós nasceremos.

— Que diabo!?

— Eu, Hecatombe, o pai da nova humanidade, irei reprogramar a tudo e a todos.

— Seu robô maluco! Não sabe o que está fazendo? Isso é genocídio!

Hecatombe soltou uma gargalhada, sua voz, agora, assumindo um leve timbre metálico.

— Sabe por que escolhi você, Café? Por que o atraí de volta a Brasília?

Café sabia que não precisava responder, que o maldito simplesmente ia continuar falando.

— Por que você me criou. Se você não tivesse atacado Narsei, ele não teria me liberado. Nossa fusão nunca teria ocorrido. E na agonia de morte, a projeção psíquica de Narsei finalmente foi libertada. Não apenas isso, o seu DNA. Depois de impedir a reação dos homens, iremos espalhar um novo DNA. Seremos todos imortais e livres da doença que assola a humanidade. Eu descobri a cura para o egoísmo, Café, não é maravilhoso? Pode ver a maravilha de sua própria criação? A criação da nova humanidade será o último ato de egoísmo. Os herdeiros estarão livres... Livres!

"Esse robô é totalmente maluco!" Café pensou. Quando olhou para o lado, viu Coffee Break. Ele estava sugerindo o que dizer.

— Sim, entendi! É genial! Hecatombe, estou sem palavras!

A gargalhada insana do ser tecnorgânico ressoou no laboratório. — Você compreendeu!

— Eu quero o prazer de detoná cada uma das bomba! O prazer de fazê nascê uma nova era gloriosa.

— Você não está de sacanagem comigo, está Café?

— Sacanagem? Porra, Narsei, fala sério. é um gênio! Só mesmo um gênio poderia ser capaz de roubá todas as bombas... Caramba, eu daria um dedo para saber como fez isso!

— Não foi fácil! Levei anos planejando. Vou mostrar.

Hecatombe foi até o painel e acionou as telas para mostrar seus planos.

"Virou as costas pra mim, Gênio? É um puta imbecil, isso sim!" pensou Café enquanto se concentrava para fazer escorrer a energia negra de cima de seu corpo, aos poucos. Ao invés de dar cobertura completa, a proteção ficou como uma espécie de teia, mantendo-se forte ao redor dos pontos de pressão feitos pelas pontas das lanças.

— Chefe, olha...

O capanga "enfermeiro" não teve tempo de completar a frase. Uma lança de energia negra entrou pelo olho e perfurou o cérebro fazendo-o cair em convulsões. O ataque seguinte foi na forma de três lanças, uma contra o cérebro, outras duas nas costas.

— Malditoooo! — Hecatombe ia se virar, mas foi erguido no ar pelas lanças controladas pelo Homem-Café.

As partes de máquina de Hecatombe começaram a se reconfigurar com caramelo fervendo subindo nas beiradas de uma panela. Café usou parte da energia negra para quebrar as lanças que ameaçavam perfurar seu corpo. Uma vez, livre disso, pode expulsar totalmente a energia e envolver o corpo de Hecatombe até formar um casulo. A máquina empurrava com toda sua força, tentando escapar, fazendo a superfície subir aqui e ali. Mas logo, Café foi reduzindo o espaço ocupado pela energia e esmagando todo metal e microcircuitos da entidade. Um som horrível de metal se torcendo e estourando se seguiu até que uma massa disforme, e pesadíssima, do tamanho de um pão de queijo caiu no chão e afundou no assoalho.

A energia escura escorreu e buscou os pontos em que os grilhões de Adiamanteo estavam presos no teto e no chão do laboratório. Depois de forçá-los, soltou-os, fazendo o metal pesar sobre o corpo frágil e desprotegido do Homem-Café.

Café conseguiu se arrastar para fora dali. Para sua surpresa, descobriu que estava no subterrâneo do Estádio Mané Garrincha. Conseguiu um telefone com um zelador e ligou imediatamente para a SPIA.

Os jornais do mundo inteiro teriam adorado estampar uma manchete como: "Homem-Café salva o mundo do Apocalipse", mas a SPIA e demais agências governamentais decidiram não divulgar nada. Se o mundo soubesse que todas as armas nucleares foram roubadas, haveria uma grave crise de confiança.  

Homem-Café - ApocalipseOnde histórias criam vida. Descubra agora