T menos doze

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Era bem cedo e Café já estava desperto. Como gostava de fazer, foi dar uma volta pelos bosques até os bancos que ficavam na beirada da lagoa do palácio. Era um lugar muito calmo e bonito. Sentou-se ali observando o movimento dos pássaros do cerrado e das emas que também começavam seu dia. Tentava meditar. Seu colega da LIS, o herói japonês Shiatsu Mega-Boy lhe dera várias lições de meditação. Talvez, silenciar sua mente fizesse algo aflorar, alguma ideia, alguma pista para poder evitar o desastre vindouro. Depois de sua meditação, Café levantou-se desanimado. Caminhou de volta ao palácio e viu Teresinha rumando para a capela dedicada a Nossa Senhora da Conceição.

— Bom dia, Teca.

— Bom dia, Café, já tomou Café? — ela riu.

— Essa piadinha nunca envelhece, né?

— Ora comigo?

A fé de Café andava abalada, desde que perdera seu irmão, antes de se tornar um herói. E mesmo como herói, nunca chegou a fazer as pazes com Deus. Ao menos não o Deus sobre o qual sua mãe lhe ensinou. Ele evitava igrejas, templos e qualquer coisa do tipo. Mas deu com os ombros e seguiu ao lado da presidente. Que mal pode fazer? Quando entrou na capelinha, passando pela porta de aço com vitrais coloridos e a luz do sol matutino penetrou o interior causando surpresa. A capela circular era revestida por um lambril de jacarandá folheado em ouro fazendo a luz refletir de maneira magnífica. No teto, a pintura de Athos Bulcão representava com cores vivas e padrões geométricos a cruz, o peixe, o sol e a lua. Café não era o tipo que conhecia muito de arte, ou sobre simbolismo, mas sentia que aquele lugar tentava dizer algo para ele. Estava numa encruzilhada e a passagem do tempo, sol e lua, representavam a aproximação do desastre. E o peixe? Bem, a única ideia que veio foi de comer um peixinho frito com cerveja numa barraquinha à beira mar. Não, aquilo não estava ajudando em nada. Ainda assim, era uma bela capela.

Terezinha tomou-o pela mão e pediu para rezarem juntos. Ela era católica fervorosa e rezou um Pai Nosso e uma Ave Maria, orações que Café repetia, mas que nunca havia parado para pensar no significado. Depois dali, seguiram de volta ao palácio, passando pela frente.

Café brincou apontando para as estátuas das Iaras no meio do espelho d'água. — Num sei como aquelas duas neguinha ainda não arrancaram todos os cabelos depois de tanto ladrão entrando e saino desse palácio...

— Está descontando a piada ruim sobre o Café da Manhã, não é mesmo? — ela sorriu de volta.

Havia alguns assessores sinalizando para a presidente. Ela acabou gastando uns minutos a mais conversando com Café o que já preocupava. A agenda de uma presidente era muito cheia.

— Então até mais — ele disse percebendo a sinalização dos assessores.

— Boa sorte, Café. Espero que encontre o que está procurando.

Café entrou no palácio e tomou um lauto desjejum. Tirou um tempo para conversar com os funcionários, responder suas perguntas e depois vestiu roupas comuns, um chapéu e óculos escuros. Chamou uma condução e foi perambular por Brasília.

— Para onde, senhor José? — perguntou o motorista sem sonhar estava para conduzir seu grande herói. Café estava camuflado pelo dispositivo de disfarce holográfico da LIS. José era o nome falso que usou no seu cadastro no aplicativo. Também era o nome do irmão que havia perdido.

— Para a torre de TV.

— Primeira vez em Brasília? — perguntou o motorista, procurando ser simpático.

— Ah não, já estive aqui.

— Aceita uma água? Balas?

Deixô vê... — Café olhou as balinhas no porta treco e deu uma risada.

— Caramelo de Café... Do Homem-Café. Faz anos que não como um desses.

— Fique à vontade.

— E como anda Brasília? A de sempre?

— Sim, tudo caro e tudo longe. Mas isso é bom para mim.

— Entendo.

— O que acha da presidente?

— Olha, senhor José. Prefiro não falar nada que envolva política. Já vi colega se dar mal por conversar fiado demais, entende?

— Entendo...

— Como muitos brasileiros, não gosto de políticos nem de política. Acho que esse é o problema do Brasil. Tá todo mundo atrás do seu dinheiro, colocar pão dentro de casa, assistir seu futebol ou novela, beber sua cervejinha, um churrasquinho no final de semana e está tudo certo. Na hora das eleições o sujeito reclama. Depois das eleições nem lembra em quem votou. E depois, quando vê qualquer escândalo na TV, reclama de novo. Talvez se todos pudessem participar mais, fiscalizar mais... Sei lá! Mas não é assim, não é mesmo? E o senhor, o que acha?

— Eu viajei muito sabe. Vi outros países onde as coisa funcionam. Acho que certo. Tem alguma coisa errada cum nosso povo. Vi falá que isso é herança dos portugueses... Eu num sei... Eu sou o tipo de pessoa que apesar de tudo, ainda acredito que dá para fazê alguma coisa. Vamos tentano. Vamos levano, né não?

Seguiram pelas largas avenidas o Eixo Monumental até pegar o acesso para a torre.

— Obrigado, Sr. José.

— Eu que agradeço.

Café olhou para cima. Aquela estrutura metálica fazia se lembrar da Torre Eiffel. Passou pela feirinha, fez mais uma boquinha. Tapioca recheada com carne seca e para acompanhar um copo de caldo de cana. Ele comeria tudo que era impossível comer fora do Brasil. Subiu pelo elevador para dar uma boa olhada em Brasília. A visão daquela enorme avenida verde com as torres gêmeas do congresso nacional quase tocando a linha do horizonte fez o herói relaxar um pouco. Do outro lado, bem distante, parecendo uma lápide branca deitada, o Memorial JK. O céu de azul intenso estava entrecortado por nuvens brancas formando padrões que capturaram o olhar de Café por algum tempo. Ele ficou horas ali, observando e pensando até que escutou uma discussão atrás de si.

— Passa tudo logo, senão vai virar peneira — dizia um rapaz bem vestido e com a mão dentro do agasalho fazendo uma ponta subir na altura da barriga.

Café foi direto e puxou a vítima de lado.

— Ei cara, fica fora disso!

— Entregue sua arma e tudo vai terminá bem.

POU! POU! O bandido disparou duas vezes contra Café, mas este não se abalou. Pegou a arma da mão do meliante e esmagou-a. Em seguida deu um soco regulando a força. Ouviu um creck de dentes quebrando. "Um pouco além da conta". Pensou. O bandido caiu no chão desmaiado e sangrando.

Um segurança logo chegou ao local, e Café pensou na possibilidade de terminar o dia numa delegacia. Não queria nada disso, então, escalou as grades e saltou de lá de cima, caindo no térreo causando um grande estrondo. O concreto do calçamento rachou sob seus pés e afundou um pouco. Café correu para longe dali e deu um jeito de tomar um táxi.

— Para onde vamos?

— Um shopping.

— Qual?

— Qualquer um onde se possa comer.

— Muito bem — disse o Taxista e o levou para lá.  

Homem-Café - ApocalipseOnde histórias criam vida. Descubra agora