A Beautiful Nightmare

Capítulo 3

A grossa camada de neve que cobria os carros e telhados fora derretida com a repentina elevação da temperatura durante a madrugada,  mudança de ares que não agradou particularmente as crianças, que assistiram seus bonecos e anjinhos de neve serem derretidos e levados para longe. Embora apontasse alguns graus a mais no termômetro, a temperatura ainda estava gélida, o que não parecia um empecilho para que as pessoas amontoassem as ruas parecendo aliviadas demais por não correrem o risco de uma pista escorregadia ou de ter o carro atolado por neve. Totalmente contra sua vontade, Augustus Hughes era uma dessas pessoas. Se pudesse escolher, estaria confortável na companhia de uma caneca de café fumegante, mas Charliet se certificara de não conferir-lhe o livre arbítrio naquela manhã.

Era domingo e, portanto, um dos pouquíssimos dias – se não o único – em que não precisava pisar na Whistler's Company para fazer o que quer que fosse. O que não passou despercebido por Charliet, que logo tratou de programar uma saída para o casal, silenciando todos os protestos de Gus e toda a programação habitual que envolvia cinema – jantar – motel – casa. Naquela manhã, Charliet quis fazer algo diferente: procurar mobília para a nova casa deles.

 Augustus, por sua vez, não poderia estar mais insatisfeito.

Feliz ou não com aquela decisão, lá estava ele passeando pela cidade entrando de loja em loja e analisando todo tipo de coisa, desde mobílias até decoração. As vezes se distraiam vagando o olhar por peças que nunca comprariam e Augustus tinha que admitir que era até fácil de se entreter observando tantas coisas que nem sabia que existiam, mas que de repente parecia precisar bastante. Eram tantas opções! Apesar disso, Charliet não podia dizer que Gus era uma boa companhia, porque tudo ele respondia com resmungos monossilábicos, suspeitava até que a rabugice fosse de propósito, visto que tinha flagrado o noivo muito empolgado com uma poltrona reclinável de 10 mil euros quando pensou que ninguém estivesse olhando.

- Então, o que achou desse quadro aqui? – Charliet perguntou exibindo uma tela particularmente feia e pitoresca na opinião de Gus. Ele não entendia muito bem de arte, a única coisa que podia dizer é que parecia que o pintor tinha ficado muito bêbado, jogado algumas cores em cima da tela e pronto. Franziu o cenho fingindo analisar a obra de arte pensando em uma maneira culta de dizer que tinha achado aquilo uma bosta.

- Não sei... Me parece muito... profundo... intenso, sabe? Tem certeza de que quer algo dessa profundidade na nossa casa?

- Não... Você tem razão. Só queria saber sua opinião mesmo. Na verdade achei feio, parece que ele ficou bêbado e derrubou tinta acidentalmente na tela – Charliet disse despreocupada, colocando a tela de volta no local, andando serenamente por outros corredores.

Em momentos como aquele, não era difícil para Gus de entender o porquê tinha se apaixonado por Charliet em primeiro lugar. Quando não estavam engolfados por uma rotina maçante, até que se divertiam muito juntos, na verdade, eram os melhores amigos do mundo. Em momentos como aquele, até conseguia sentir um acréscimo de afeição por ela e, para além disso, sentir um certo pesar por notar que aos poucos tinham perdido a capacidade de rir de coisas banais.  

- O que acha dessa aqui? Eu achei tocante – Charliet perguntou apontando para uma outra tela. Gus sorriu e aproximou-se da pintura para analisar seu preço, logo deixando seu sorriso murchar afastando-se com uma careta. Mais tocante que a obra era o preço.

- Achei feia. – Disse por fim, dando de ombros ao observar Charliet revirar os olhos com um risinho - Vou aqui fora fumar um cigarro e já volto, tá? – Gus avisou recebendo um olhar de reprovação da noiva.

Augustus rumou entre as seções de decoração em direção a saída do estabelecimento e sentiu-se muito mais aliviado quando abriu a porta da rua e a brisa fria soprou-lhe o rosto. Suspirou ruidosamente e fechou os olhos com força, apreciando o ar fresco que estava prestes a ser poluído pela fumaça do seu cigarro.