Há uma lenda que diz que poucos minutos antes de morrer, a vida inteira passa diante dos olhos de uma pessoa como um grande flashback de momentos marcantes. De acordo com ela, é possível ver os rostos das pessoas mais amadas e revisitar os lugares mais emblemáticos quase como uma despedida dos melhores momentos da vida.
Enquanto debatia-se sem sucesso, Augustus Hughes refletia sobre o motivo por qual aquela informação não passava de uma lenda, visto que, se aquela premissa fosse verdadeira, sua memória estaria inundada de boas recordações e não por vozes impiedosas clamando maldades impronunciáveis. Se aquela premissa fosse verdadeira, seu coração estaria tomado por saudosismo melancólico e não por um medo agonizante de congelar o sangue correndo nas veias. No meio do turbilhão, flagrou-se pensando que a qualquer momento veria a luz branca "no final do corredor".
Mas não havia luz, apenas escuridão.
Se aquilo fosse verdade, por que tudo o que conseguia enxergar era um borrão preto? Se aquilo fosse realmente verdade, onde estava o grande torpor? Sua vida tinha sido realmente tão medíocre se tudo o que conseguia sentir era pânico e angústia? Se essa premissa era verdadeira, por que as vozes que ouvia no fundo do seu subconsciente não eram das pessoas amadas e sim desconhecidas hostis?
Precisava saber porque tinha certeza de que estava morrendo.
Não era possível que tudo aquilo não fosse resultar na sua morte, visto que era isso que verbalizavam impiedosamente no pé do ouvido. Não era possível que aquele formigamento no topo da cabeça fosse normal ou que aquele aperto no peito fosse injustificado. Tentou puxar o ar, mas seus pulmões pareciam não obedecer os comandos do cérebro, assim como todos os outros orgãos.
Definitivamente estava morrendo.
Tentou abrir os olhos, tentou gritar, mas nada surtiu efeito. Sentia-se preso dentro do próprio corpo, debatendo-se furiosamente sem que isso resultasse em nenhum movimento dos seus membros. Como poderia estar tão consciente e ao mesmo tempo tão imóvel? A sensação de claustrofobia era semelhante a de estar preso dentro de um sonho enquanto acordado...
Paralisia do sono.
Em algum lugar, no meio do turbilhão que estava sentindo, algo em sua mente despertou repetindo os conceitos daquilo que lera em alguma revista de psicologia algum tempo atrás. Não os escute, você só está dormindo, vai ficar tudo bem, você precisa acordar. Repetiu para si mesmo, talvez numa tentativa de acalmar o próprio coração que martelava dolorosamente contra o peito, desesperado por não conseguir recuperar os movimentos, embora estivesse consciente.
Estava tão consciente, que conseguia ouvir o barulho de um salto alto vindo ao encontro do chão de pedra. Tão consciente, que conseguia distinguir um zunido distante que ecoava pela sala escura num misto de vozes pressurosas.
Com toda força que ainda tinha restado, tentou emitir um grito que ficou preso como um nó na garganta. Não conseguia ouvir nem sinal da própria voz emudecida em meio ao caos que sua mente se encontrava. O coração parecia saltar contra o peito, aquela angústia sufocante semelhante a tentar incessante e inutilmente respirar embaixo d'água. Nada fazia efeito, não era possível que isso não significasse a morte. Na verdade, flagrou-se desejando morrer só para dar fim aquela sensação.
Na paralisia do sono, nada adianta fazer além de esperar.
Enquanto isso, uma conversa entre cochichos e murmúrios acontecia no corredor.
- Já está quase na hora, Dr. Crouch - A enfermeira dizia em tom hesitante.
- Quase... Quase... A essa altura ele já deve estar acordando - O médico respondeu em uma voz grave e pensativa.
- Deus nos ajude! Tomara que dessa vez ele não dê outro ataque daqueles - A mulher sussurrou entrecortada e cheia de receio.
- Não se preocupe, mesmo que esteja desperto, ele ainda estará grogue por causa dos sedativos. Hoje não nos causará problema algum. Mas tenha paciência com ele, Watson. Leve em consideração tudo que está passando.
A conversa cessou no momento em que os dois entraram no quarto, iluminando o cubículo pela luz artificial vinda do corredor.
- Ele parece estar acordando... - A enfermeira sussurrou - Será que já é capaz de nos ouvir?
- Sr. Hughes? Augustus... Pode me ouvir?
Augustus sentia como se algo estivesse o arrastando de volta para a realidade. A luz clara do corredor atingiu seu rosto bruscamente, obrigando-o a franzir o cenho incomodado e só esse gesto foi o suficiente para provocar suspiro nas pessoas presentes naquele quarto.
Seus movimentos estavam de volta.
Ele estava vivo.
E estava devidamente acordado.
- Augustus? Se está me escutando aperte minha mão.
Augustus sentiu a mão do Dr. Crouch embaixo da sua e tentou apertá-la, mas seu corpo parecia pesado e imensamente dolorido por baixo das amarras em que seus braços estavam presos. Provavelmente tinha sido sedado novamente. Não conseguia se movimentar direito pois eles tinham medo dele, medo da sua reação, medo que ele fosse se tornar violento mais uma vez.
Com um esforço enorme, Augustus pressionou seus dedos na mão do Dr. Crouch, fazendo o médico sorrir satisfeito.
- Ótimo, ele está nos ouvindo! – Disse empolgado o Dr. para uma nada empolgada enfermeira, que parecia apreensiva ao se esconder atrás do médico mais velho – Augustus, por favor... Tente abrir os olhos.
Era como se um trem tivesse passado pelo seu corpo, pela forma como ele estava dolorido. O sedativo deveria ter sido muito forte para ter o debilitado daquela forma. Com muita dificuldade, apertou os olhos franzidos antes de conseguir abri-los. Bateu as pestanas algumas vezes, desnorteado, sentindo-se potencialmente incomodado com o excesso de claridade no quarto antes escuro.
Demorou um certo tempo para que ele pudesse se acostumar com a iluminação, rolou os olhos pelo local cirurgicamente limpo e branco, antes de conseguir detectar os rostos do Dr. e da Enfermeira que o encaravam pacientemente, esperando alguma reação sua. Seu coração ainda batia descompassado pelo susto e pela experiência deplorável de instantes atrás.
- Quer nos dizer alguma coisa, Sr. Augustus? - Perguntou o Dr, parecendo um pouco mais apreensivo.
Sim, ele queria.
Queria falar muitas coisas, fazer muitas perguntas. Aquela conversa ainda martelava em sua cabeça, mas viria a falar disso novamente mais tarde. Todo o resto poderia esperar. Só existia uma dúvida em sua cabeça em meio aquele turbilhão de perguntas que realmente importava.
O questionamento mais importante era sobre ela.
Onde ela estava? O que havia acontecido com ela? Ela estava bem? Quando iria poder vê-la?
Sua garganta estava seca, mas mesmo assim ele tentou falar com muita dificuldade.
- Onde ela está? - Sua voz parecia rouca, estranha aos seus próprios ouvidos, parecia estrangulada. – Onde ela está, doutor?
Doutor Crouch e a enfermeira Watson se entreolharam de forma temerosa. Esperavam por essa pergunta, mas ao mesmo tempo temiam esse momento.
Com muita cautela medindo bem as palavras, Dr. Crouch falou, quase hesitante, instintivamente recuando dois passos:
- Ela... não está aqui. Receio que você não poderá mais vê-la.
Augustus Hughes desejou estar sonhando novamente, desejou até mesmo a paralisia do sono. Porque nenhum pesadelo poderia ser pior do que a sua realidade naquele momento.
Tudo começou novamente.
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A Beautiful Nightmare
Mystère / ThrillerAos 28 anos, Augustus Hughes já tinha conquistado uma façanha que pareceria impossível para alguém de sua idade: tornar-se o vice presidente da renomada multinacional Whistler's Company. Vivendo em uma rotina maçante e previsível, Augustus vê sua v...