Δ t h r e e Δ

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Ao ver aquela marca em mim, pensei em gritar, mas eu tento ao máximo não ter que dar explicações ao meu pai, para poupar tanto a minha paciência quanto a dele. Pensei em ligar para Andrew, mas eu não havia nenhuma forma de conversar com ele antes do dia seguinte. Meus olhos enchiam de lágrimas, e eu não fazia a menor ideia do que eu estava sentindo. Era uma mistura de surpresa, angústia, confusão e medo, e era horrível. Eu não sabia como aquilo acabara em minha pele, mas tudo o que eu queria era tirar aquilo de lá. Girei a torneira e me coloquei debaixo da água fria que o chuveiro derramava. A minha única vontade naquele momento era que aquele sinal saísse do meu corpo, e eu esfregava a esponja com sabonete contra meu antebraço com tanta força, que se eu tivesse continuado por mais alguns segundos, eu teria arrancado minha própria pele.

Aquele desenho estava fixo em mim, mas eu não conseguia aceitar aquele fato. Eu estava desesperada, mas tinha que demonstrar uma falsa sanidade ao meu pai, justamente para manter a pequena parte de minha mente que ainda era saudável. Deixei a água levar a espuma que ainda restava em meu corpo e peguei minha toalha para me secar. Ao entrar em meu quarto, procurei um pijama de mangas compridas, para esconder a marca. Me vesti e me deitei em minha cama, pensando em como diabos aquela porcaria chegara em minha pele. "Não, Delia, isso não é real. Você está sonhando, isso é logicamente impossível. Aja naturalmente, esse sinal não está realmente em seu corpo. Você está vendo coisas", tentei convencer a mim mesma. Fechei meus olhos, respirei fundo, tomei coragem e saí do meu quarto para comer alguma coisa, mesmo sabendo que cruzaria com meu pai no caminho. Eu queria encará-lo naquele momento, porque ele parecia estar sóbrio e de bom humor.

Abri a porta, passei pelo corredor que me levaria até a cozinha, me encontrando com meu pai ao chegar lá.

— Oi, filha! Como foi hoje na escola? — ele me perguntou com um sorriso sincero no rosto.

Aquele sorriso me trouxe boas lembranças de quando ele ainda era sóbrio. Ele deixou de sorrir daquela forma com tanta frequência após a morte de minha mãe, que foi quando ele começou a beber demais. Meu pai era um homem muito bom, mas tomou algumas decisões erradas e acabou fazendo com que o fígado dele pagasse por isso. Eu tenho muito saudade de quem ele era. Um pai feliz se transformou em um bêbado orgulhoso que só se importa consigo mesmo. Pensar e encarar toda essa situação era muito triste, mas eu tinha que o fazer. Apesar disso tudo, ele ainda é meu pai e eu ainda o amo. Eu sei que ele não tem a intenção de fazer algo de mal, mas ele não sabe como colocar isso em prática.

— Oi, não aconteceu nada de especial. Mas e sobre você? Aconteceu algo diferente na clínica? — o perguntei, aproveitando o momento feliz em que ele estava.

— Lembra aquele yorkshire que foi atacado por um pitbull mês passado? Ele voltou para casa hoje, mas infelizmente ficou cego de um olho. Mas ao menos ele resistiu, não é? — ele respondeu, tirando as mãos do sanduíche que estava comendo e o colocando em cima do prato que estava em sua frente.

— Que ótimo! — respondi, demonstrando entusiasmo. Após um bom tempo sem vê-lo daquela forma, eu já não sabia muito bem o que dizer quando ele estivesse sóbrio e demonstrando carinho. Fui até a geladeira, peguei um pedaço de uma torta salgada que estava lá e o coloquei no microondas. — Enfim, eu vou comer no meu quarto porque tenho uma montanha de lição de casa para fazer, e assim que eu terminar eu já vou para a cama, ok?— falei, esperando o meu lanche esquentar.

— Claro! Boa sorte com a lição, e boa noite. Eu te amo, filha.— ele sorriu. Um sorriso sincero, e palavras que já não soavam tão sinceras assim fazia um bom tempo. Ouvir aquilo fez o meu coração se apertar e os meus olhos encherem um pouco, mas tentei evitar demonstrar que havia me emocionado.

— Obrigada, pai.— sorri ao soltar as palavras. O microondas apitou, anunciando que a torta já estava quente. Abri a porta, peguei o prato e fui até ele.— Eu também te amo. — beijei sua bochecha me dirigi ao meu quarto.

Peguei os meus livros e fiz só alguns exercícios, até minha mente me interromper com uma visão, como se fosse um flashback de algo que não aconteceu. Eu estava em um carro, não conseguia ver nada além de uma grande parede se aproximando cada vez mais, até que a sensação do que seria o impacto me fez voltar à realidade. Abri os olhos, ofegante. Aquilo foi desesperador. bebi um pouco de água de um copo que já estava em meu quarto havia um bom tempo, então o líquido já estava quente, mas eu não me importei. Minha visão estava embaçada por causa das lágrimas que haviam ali. Eu estava muito assustada. Tudo pareceu tão real, eu não sabia que uma visão poderia ser tão realista quanto aquilo foi. Tentei terminar a minha tarefa, mas tudo o que eu conseguia fazer era desenhar braços, todos com a mesma marca que eu e Andrew supostamente temos. Aquilo já estava começando a me deixar desesperada. Fechei os cadernos, pois os rabiscos só estavam me trazendo pensamentos ruins. Coloquei todo o meu material em minha mochila e me deitei. Coloquei minha playlist de músicas calmas e aconcheguei minha cabeça no travesseiro rosa de minha cama. Pensamentos malucos começaram a passar por minha mente. "Será que isso tudo é real? Será que eu estou alucinando? Como essa marca veio parar no meu braço? Será que o Andrew tem alguma coisa a ver com isso?" Eu não estava vivendo aquilo. Pelo menos não como eu mesma. Aquilo era muito fora da minha realidade. Aquilo era muito fora da realidade de qualquer um. Eu me recusava a aceitar que aquilo estava acontecendo. Eu me recusava a acreditar que aquilo estava acontecendo. Fechei meus olhos, e tentei afastar qualquer pensamento que me perturbava.

Δ "you don't even know me but i can feel you crying" Δ

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