Δ f o u r Δ

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"Delia, acredite em mim. Esse não é o único jeito, você pode se salvar. Eu sou o caso perdido aqui. Não existem esperanças para mim. Você pode ser feliz, Chiclete, eu quero te dar essa chance de ter uma vida boa."

Palavras ditas entre lágrimas por uma voz triste e desesperada, mas ainda sim aconchegante. Eu não conseguia identificar o dono da voz entre gritos, sirenes e explosões. Eu via duas mãos masculinas com as unhas pintadas de preto segurando as minhas. Minha visão estava embaçada e não consegui reconhecer aquele homem, porém percebi que ele usava uma camisa branca desabotoada e uma bandana no rosto, cobrindo seu nariz e sua boca. Ele soltou minhas mãos e me mandou fugir, entrando no carro que estava atrás de nós. Eu o desobedeci e abri a porta do banco de passageiro, me jogando dentro do automóvel.

Acordei ofegante.

Tudo não passava de um sonho. Muito realista, a propósito. Tão realista quanto a visão do dia anterior, ou posso até arriscar que foi mais ainda. Eu já estava acostumada com pesadelos, pois raramente lembrava de meus sonhos, e quando lembrava, eram ruins na maioria das vezes, mas nunca pareciam tão reais quanto este.
Decidi não ligar muito, talvez eu tinha pensado muito sobre a visão antes de cair no sono, ou até ouvido The 1975 de mais. "Cordelia, pare de ser ridícula." Pensei. "Não vai acontecer nada demais. Você só está salvando gifs do clipe de Robbers em excesso."

Soltei uma risada leve com meus próprios pensamentos. Mas fazia sentido, meus sonhos sempre estiveram ligados com algum acontecimento da minha vida, então mais um pesadelo ligado a algo chocante que aconteceu não deveria ser surpreendente.

Coloquei as minhas pantufas e fui até o banheiro para fazer minha higiene matinal. Logo ao terminar, fui à cozinha preparar o meu café. Comi o cereal lentamente, me levantei e fui até o quarto. Coloquei uma saia preta, uma camiseta com "Peter Parker is bisexual" como estampa e, como o de costume, o casaco que eu ganhara de Flor. Fiz um delineado gatinho, passei meu batom vermelho escuro e coloquei uma coroa de flores. Desci as escadas e saí para esperar o ônibus. Passei um tempo distraída entre as letras das músicas que saiam do meu fone, observando as árvores, o céu e os pássaros, refletindo sobre tudo em minha volta. Nada além do comum. Quando o ônibus chegou, fui até o lugar em que costumava me sentar, esperando chegar na próxima parada para encontrar com Margaret, uma menina do último ano do ensino fundamental.

Ela conversava comigo apenas durante o trajeto para o colégio, porque o intervalo do ensino médio não é no mesmo horário que o do ensino fundamental, e além disso, a garota não tinha redes sociais. Ia contra a filosofia de vida dela. Por enquanto, ela buscava auto conhecimento, para apenas depois se expor ao mundo. Tão pequena, porém tão madura...

Após pouco tempo, o ônibus chegou na parada onde Margaret estava. Atrás de alguns jogadores de basquete e suas respectivas namoradas, a menina entrava. Seus longos cabelos ruivos presos em marias chiquinhas e um lindo batom roxo em seus lábios finos. Sua pele pálida estava completamente natural, com todas as sardas à mostra, e seus olhos exatamente negros se camuflavam atrás de grandes óculos redondos.

A beleza de Margaret era impressionante. Ela se destacava em meio das outras meninas, que muitas vezes a achavam estranha e assustadora. Além de estonteante, também era uma garota forte, misteriosa e muito "foda-se" para o que os outros achavam dela. Eu arriscaria dizer que a pequena é uma versão mais nova e legal de mim.

— Oi, Delia! Tudo bem? — A menina disse, após se sentar ao meu lado.

— Oi, Maggie. Sim, eu acho. Não sei, tem muita coisa surreal acontecendo, nem eu entendo direito, sabe? — Soltei uma leve risada, que, apesar de não parecer, era de nervosismo.

— Ai, ando na mesma. Tem tanta coisa acontecendo lá em casa, além de toda a confusão interna que eu ando passando... É tão difícil! — Bem, ela não parecia entender que a minha situação era realmente surreal. Tudo bem, afinal, eu não queria a preocupar. — Mas enfim, você ouviu o álbum novo da Lana Del Rey? É uma obra de arte!

— Sim! — Respondi. — Realmente, não paro de colocar as músicas no loop. Eu...— Meus pensamentos pararam ao ver Andrew na calçada. Paralisei. Não sabia o que diria para ele quando o encontrasse. Mil coisas passando pela minha mente como uma enchente. Voltei ao normal e percebi que Margaret ainda esperava o resto de minha frase. Acho que minhas bochechas coraram.

— O que foi, Cordelia? Aconteceu algo?— Ela perguntou com as sobrancelhas franzidas, formando uma expressão de preocupação.

—  Ai, meu amor... Me desculpa. Eu não ando conseguindo focar em nada. Se eu te explicasse o que sei, você não acreditaria. Nem eu sei direito...

A ruiva não respondeu, apenas assentiu e colocou sua cabeça em meu ombro. Continuamos assim durante todo o trajeto. Descemos e Maggie se dirigiu ao prédio do ensino fundamental após me dar um abraço e um beijo em minha bochecha. Fui até meu armário e organizei os meus materiais, sem prestar muita atenção. Fiquei perambulando pelos corredores por um tempo, observando algumas pessoas que passavam, esperando ver o rosto de Andrew entre eles. Percebi que algumas pessoas já estavam indo para suas salas, mas ignorei e fiquei no corredor até o sinal tocar. Os minutos passavam e eu não via Scrivener. Eu estava sedenta por uma explicação, um atraso para a aula de literatura não seria grande coisa. Passados dois minutos, avistei o garoto correndo em direção ao seu armário. Me desencostei da parede e o puxei bruscamente pelo braço, entrando na sala de fotografia, que ficava vazia nesse horário. O joguei violentamente contra a parede e coloquei as minhas mãos abertas contra os azulejos, o prendendo e o fazendo me olhar nos olhos. Puxei a manga do meu casaco, deixando o triângulo à mostra.

— Explica.— Falei friamente. Ele fechou os olhos e sorriu.

— Olá, alma gêmea.

Δ i just can't wait for love to destroy us Δ

Δ storms ΔOnde histórias criam vida. Descubra agora