Alice no Pais das armadilhas Capítulo 5

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O trabalho de educação social de rua já se divide em quatro grupos, os meus primeiros alunos da turma do Charles, as crianças da pedreira, os meninos guardadores de carro em frente a universidade e os meninos e meninas do centro da cidade que moram direto nas ruas, que são, a turma da Alice e os meninos do bueiro conhecidos como os tartarugas ninjas.Perdi totalmente a minha vaidade feminina. Hoje meu traje habitual é uma bermuda, um chinelo de dedos e uma camiseta.Agora faço parte por completo do cenário:Consegui entrar no mundo de Alice.Convivo quase que diariamente no seu ponto de exploração sexual no centro da cidade e até já conheço alguns habituais abusadores dela.Sua turma aumentou. Levo folhas e canetas coloridas e fazemos nossa hora de lazer ali mesmo na calçada, entre pessoas que degustam sorvetes. As sobras são sempre nossas.Todas se parecem fisicamente, mas possuem nomes diferentes, histórias parecidas, a mesma dor. A dor de estar nas ruas e não serem meninas limpas.Alice, Lúcia, Rosângela, Elisângela, Cristiane, Dayane e a pequena Eliane de um ano e dois meses.Semana passada nos alojamos na praça da Matriz e dei banho de chafariz em Eliane. Precisei entrar no lago, Eliane estava com diarreia e suja até os pés e lavá-la enquanto sua irmã lavava suas fraldas e sapatos.As pessoas passam, olham, me abordam perguntando:- Quem eu sou?- O que faço?- Sou remunerada?Nossos encontros são sempre assim:Caminho pelo centro da cidade procurando meninos e meninas de rua. As meninas se escondem, principalmente Alice e Lúcia.Geralmente encontro os menores esmolando nos fundos das lojas Americanas na rua Andrade Neves, ou na Salgado Filho nos pontos de ônibus.Me aproximo, pego no colo, beijo, abraço, estou com saudades mesmo.Aperto forte e dentro de mim uma exclamação: - Graças a Deus esse ainda está vivo.- Onde está Alice? Pergunto- Lá embaixo. Secreto. Não me dizem nunca.- Dá pra alguém ir chamá-la?Uma das meninas vai.- Achou Alice?- Ela já vem, tia.- Vocês estão afim de desenhar?- Eu quero. Mais um menino se aproximou. Abraço e beijo.- Querido da tia, que saudade... A tia veio ver vocês.- Vamos brincar um pouco?- Uma senhora lambendo seu sorvete, pergunta:- Tu és tia deles?- Sim.- E não tem vergonha de mandar as crianças para rua pra pedir pra ti?- Senhora, eu sou uma educadora de rua.- Há sim... Você é da FEBEM?- Não, sou do Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Ruas.- O salário compensa para trabalhar com essas crianças?- Salário? Eu não ganho nada. Sou voluntária. É um trabalho de militância.E assim a conversa se estende. A mulher me elogia, me dá uns tapinhas nas costas e vai embora segurando firme a bolsa.

          Estávamos desenhando. Alice tentava escrever seu nome numa folha.

Não conseguia. Gritava estridentemente. Dois homens de aproximadamente 40 anos se aproximaram e pararam perto de Alice.

- Veja só, Alice desenhando. Estou vendo que possui outras habilidades além daquelas que já conhecemos.

Alice grita. Senti vontade de gritar com ela. Queria esbofetear aqueles tarados.

Alice continua tentando escrever seu nome enquanto os homens a comiam com os olhos.

Alice levanta e blusa, põe as mãos entre as pernas. Mão cheia de sangue. Estava menstruada. Limpou a mão na roupa e começou um bonito desenho. Juntou do chão um toco de cigarro aceso e fumou.

Bateu em Dayane e mandou ela pedir mais dinheiro. O que tinha era pouco.

Meses se passaram e os nossos encontros eram diários.

Certo dia fui com as meninas à casa de cultura Mário Quintana.

Brincamos com o elevador e corríamos em todos os andares com os chinelos nas mãos.

Fomos para a ludoteca. Jogamos memória e quebra-cabeças.

De novo corremos por todos os andares. Chamaram os brigadianos.

Os Ninjas do BueiroOnde histórias criam vida. Descubra agora