Capítulo 1

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Acorde! Acorde! Acorde!

– Ah, eu não quero! – Me levanto relutante e empurro os lençóis perfeitamente brancos com os pés. Pergunto-me se compram novos toda semana, afinal sempre aparentam ter saído da embalagem.

Olho-me no espelho, como sempre desengonçada. O quadro digital acende.

07/07/35 6h30am
Parabéns Rosa Valentim. Compromisso em 30 minutos.

– Oh parabéns Rosa! Você tem um compromisso memorável hoje! – Resmungo enquanto visto minhas calças cinza padronizadas que cheiram alvejante químico.

Apertadas na coxa, levemente curtas mostrando minhas meias brancas e os Oxford que mais parecem espelhos. Respiro fundo antes de vestir a camiseta com gola V fingindo ser um decote sensual, e o suéter na cor do jeans.

– Talvez um look Joey Ramone não seja o mais adequado para uma apresentação formal. – Mamãe está na porta me encarando e sorrindo enquanto me encaro no espelho.

– Bom! Parece perfeito. – Dirijo-me a porta.

– Está atrasada querida, vá tomar seu café e boa sorte. – Despede-se com um beijo em minha e testa e sai em direção ao seu quarto.

Café e dois biscoitos integrais. Minha nossa, sinto falta da torre de panqueca encharcada de caramelo nos aniversários. Era como agraciar o novo dia. O único a me dar parabéns hoje foi o painel do meu banheiro. Talvez ele tenha criado mais afeto por mim do que todo o resto da minha família dentro desse módulo. Como o mais vagarosamente possível, não para degustar o lanche e sim o tempo. Reflito sobre como temos estado mais frios. Mais apressados, mais sucintos. Sem discursos na mesa de jantar, sempre frases curtas e diretas o que nos leva a estar a maior parte do tempo em silêncio. Por mais que eu tagarele às vezes, pareço estar falando sozinha. Não que realmente não esteja... Enfim.

Bom, meu compromisso é um encontro promissor com a equipe de designação profissional no centro cívico Mu002. Cinco minutos de metrô. Eu poderia ir andando e levaria apenas 20 minutos. Mas aqui o metrô é quase que obrigatório. Se te pegam perambulando por aí te encaram como se você fosse um terrorista armado. Pego minhas coisas e saio apressadamente. Tudo tão calmo. Ninguém correndo, ou desesperado. Parece faltar tanta vida nas pessoas, esses olhares neutros e educação exemplar.

– Bom dia! – Homem de cabelos negros, sorriso amarelado e mãos frias. Registra a passagem através da minha digital e me encara esperando uma resposta.

– M-m-m-uito bom dia! – Respondo intimidada. Tenho a sensação que todos me encaram.

– Tudo bem, tudo bem! Vamos lá! – Murmuro para mim mesma enquanto o metrô se aproxima. Uma fila perfeita se forma atrás de mim. Algumas reverências com a cabeça e todos se sentam silenciosamente. Sento-me virada para a janela e deixo-me perder pela vista até o destino.

– "Et tu aimes les petits enfants, décidément, rien ne t'arrête toi. Et arrête de faire ton innocent, sur les paquets de cigarettes." – Cantarolo enquanto observo o painel marcar 002, e então me preparo para a descida.

Edifícios de vidros espelhados que refletem o céu acinzentado e o fluxo de pessoas. O prédio para designação profissional fica no segundo quarteirão do centro cívico. Passo rapidamente entre as pessoas, evitando encara-las e me dirijo rapidamente à recepção.

– Bom dia senhorita. Documentos, por favor. – O mesmo sorriso amarelo de pessoas gentis com dedos gelados. Entrego minha carteira para a gentil senhorita que me atende, ela confere algo na tela digital e me devolve com um sorriso. – Vigésimo sexto, senhorita Rosa! Boa sorte.

Rosa AtrozOnde histórias criam vida. Descubra agora