O Homem Misterioso

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O homem desviou seu rosto em direção à janela.
Aquela visão me havia aturdido de tal maneira que eu não podia reagir, até que consegui articular umas desculpas:
'Devo...já devo voltar'.
Disse sem olhar e me precipitei sobre o corredor. Queria voltar, terminar com tudo aquilo, mas via a mim mesmo caminhando em direção ao final do trem. Parecia um louco.

Acelerei meus passos, e já não pensava em nada.
Nada podia ser pior do que aquilo.
Não sabia se queria continuar ou me afastar daquele monstro, mas segui.
Cheguei ao final do vagão: onde ficava as malas. Aquele homem era a única pessoa que viajava na primeira classe.

A última porta estava fechada. Podia-se ver, do outro lado, uma luz branca iluminando, como a um teatro pequeno e estreito, as filas de malas que não tinha mais fim...Esse era o final da inspeção.
Agora devia regressar.

Fiquei desapontado. A essa altura só deus sabe onde estava a garotinha.

Ao percorrer o caminho de volta vi o corredor, vazio.
Por alguma razão me assaltou o temor de que a luz pudesse se apagar novamente.
Talvez tenha sido essa ideia, não sei, mas de repente senti que me inundava um medo atroz e tive certeza de que ele estava ali, atrás de mim.
Foi tão real como se o houvesse visto, agachado entre as poltronas, em algum lugar.

Meus braços se golpeavam contra as portas, os movimentos eram torpes, e tinha a impressão de que o chão começava a oscilar ainda mais com a violência de meus movimentos e que as paredes e o teto flutuavam e acabavam se confundindo.
Minha respiração se tornava mais agitada. Escapava.
Mas não ouvia outro som que o de meus passos.
'Não podia ser...'
Repetia para mim mesmo estas palavras enquanto atravessava os corredores, sempre com o olhar fixo na próxima porta, até a última.


Ao chegar na minha cabine, procurei a moça pra lhe dar a triste notícia, mais não consegui encontrá-la em nenhum lugar.

A luz...voltou a se apagar, pensei que fosse ficar louco!
Precisava me distrair um pouco, ainda que fosse difícil. Me veio a cabeça de perguntar aos jovens sobre a moça, mas eles já estavam dormindo.
Me detei nos três assentos que tinha ali.
Apaguei a luz, e finalmente me acalmei.
Não passou muito e peguei no sono.

Agora vem a parte mais estranha de toda essa história. O trem já entrava na cidade quando acordei.
Olhei as horas; ainda faltavam uns minutos para chegar, e tinha urgência em ir ao banheiro.

Abri as cortinas da janela. Queria ver o dia.
Lembrei-me das palavras da minha mãe: " O único alívio para uma noite ruim é ver a luz do dia."
Antes de abrir a porta, peguei minha mochila e abri também as cortinas que davam para o corredor.
Ao sair, tive a impressão de estar em outro lugar; um lugar muito diferente daquele que vi na noite anterior. Cruzei com um casal de idosos que não havia visto. Através dos vidros se podiam ver as ruas da cidade e o movimento da manhã.

O sol brilhava naquele dia e, não sei por que, senti uma particular alegria ao ver todas aquelas pessoas caminhando, talvez se dirigindo a seus trabalhos, a seus simples afazeres cotidianos.
"Esta é a vida real", pensei.

O céu era de um azul intenso, e voltei a me lembrar de minha mãe. Suspirei.
Senti que as últimas horas haviam sido apenas um pesadelo.


Antes de entrar no banheiro, observei os passageiro que saiam do vagão do beliche. Precisava saber onde tinha ido a moça, e se ela havia encontrado sua filha.

Os passageiros começaram a se amontoar no corredor, perto das portas de saída. Acabei de sair do banheiro, quando percebi que o trem parava.
Apresseime; ainda tinha que pegar algumas coisas na
cabine.

Quando saí, os passageiros dos camarotesce dos beliches havia inundado os corredores do trem. O casal de idosos discutia qualquer coisa sobre a bagagem.

A seus pés, duas enormes malas obstruíam a passagem. Atrás de mim, duas garotas brigavam enquanto uma mulher tentava, em vão, fazer eles se calarem.

Ao levantar o pé para pular as malas, quase trombo com um homem louro que saía de seu compartimento.

Resmungou algo em outro idioma, parecia um pedido de desculpa.
As crianças começaram a gritar novamente e cheguei, finalmente, à porta do Saída. Vou tentar explicar: não percebi logo, mas talvez já tivesse a sensação de que alguma coisa estava diferente, não se encaixava...

"Já basta, Paul."
Esse grito me distraiu.
Eu tinha a maçaneta na mão.

"Foi ele, ele que tomou elas de mim!"
gritou uma das meninas, e, nesse momento, eu vi a moça, no compartimento ao lado da porta de saída.

As cortinas estavam fechadas.
Foi breve, um instante em que algo me dizia para não puxar as cortinas, mas eu não sabia que algo seria.

Até que aquele pensamento me alcançou como um relâmpago, e afastei minha mão da cortina. Ela estava ali dentro.
Não podia ser de outra maneira.

Uma terrível sensação de perigo pareceu tomar conta de meu corpo.
Tomei coragem e arrastei a cortina, e ela estava ali, morta, com os pulsos e garganta cortados.

Eu devia sair dali.
De repente, ao meu lado, o homem da máscara, passou correndo por mim, me tombando.
Sair rapidamente de dentro do trem.
Quando pisei na estação, o solo firme me fez sentir seguro por um instante. Podia correr. Correr. Colocar-me a salvo.

Não sei o que passava pela minha cabeça nesse momento, nunca senti algo parecido, mas sim, me lembro disto;
tinha que correr, salvar-me.
Eu me vi no meio da gente, caminhando, buscando a saída.
Volta-me minha imagem subindo a rampa, em direção à saída da estação.
O tremor das pernas quase não me deixava caminhar, me lembro que fazia um grande esforço para controlá-las.

Eu devia avisar sobre a mulher morta dentro do trem, e o homem misterioso, que pra mim era o principal suspeito. Mas eu não queria mais me envolver em nada disso, só queria sair dali, naquele mesmo instante.

Pode parecer que sou egoísta, por não avisar sobre tudo que eu sabia para os polícias, mais se eu fizesse, seria suspeito também, além disso, precisaria prestar depoimentos, o que me faria passar mais um dia fora de casa.

Alcancei a rua.
Peguei o primeiro ônibus que apareceu para Pensilvânia.
O sol batia na minha cara, mas o frio parecia congelar meus sentidos e as lágrimas começavam a nublar minha vista.
Quando o ônibus deu partida, não me atrevi a voltar meu olhar para trás.

Tinha esperança de que aquilo que parecia ser uma aventura morresse em um tempo mais ou menos curto, como corresponde a uma aventura...

Uma Noite de CrimeOnde histórias criam vida. Descubra agora