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"Amai o próximo como a si mesmo". Sempre que me propus ler a Bíblia, apesar de todos os dogmas, mandamentos e determinações que encontrei nas histórias e parábolas, voltei nessa única determinação, que dentro de si carrega tanto poder, que todo o resto acaba por ter em suas imposições um peso muito menor que esse.

Se pararmos para pensar na força dessa determinação, teríamos todo o mundo utópico que um dia desejamos, independente do nosso credo. Ainda que eu não acredite em nada, se amo o próximo como amo a mim, a ele não farei mal. Não falarei dele, não o machucarei, buscarei para ele o melhor. Não o julgarei nem reprovarei sua conduta, opção, gosto, condição ou o que seja, pois o amo como se a mim amasse.

É uma lei "divina" tão rica em conteúdo e tão simples em construção... E também tão difícil de ver realizada. Se amássemos uns aos outros como amamos a nós, não haveria o que discutir. Qual crença defender. Pois se amo dessa forma, não importa o que o próximo acredita, faz, anseia. Eu quero o bem dele.

Outro dia tentei esclarecer algo que vejo ser, talvez, o início de toda essa discussão a respeito do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo. Percebo sempre nas discussões que ficam acaloradas a dificuldade de dissociar o termo "casamento" do sentido religioso que essa palavra possui. Na verdade há uma enorme diferença entre casamento civil e casamento religioso.

Vivemos em um país laico. Isso significa que religião não deve - ao menos não deveria - influenciar as leis que garantem direitos e sustentam quais deveres temos com o país em que vivemos. E nesse meio, casamento que o Estado tem o dever de gerir é o casamento civil. O casamento religioso é algo das diversas denominações e em cada uma delas o ritual não é influenciado pelo Estado.

O casamento civil garante direitos. É com o casamento que se tem direitos sucessórios, por exemplo. Pegando um exemplo que possa esclarecer, pensemos em um casal que acabou de se conhecer, mas que já tem o sentimento de que esse encontro é algo pra toda a vida. Fazem planos e em menos de 2 anos já moram juntos, dividem contas, querem comprar um imóvel, um carro. Nesse ponto, se o casamento civil é legal, não haverá qualquer entrave em qualquer desses desejos comuns. Ademais, se um dos dois vier a falecer, o outro terá amparo legal para suceder os bens adquiridos em conjunto.

Hoje, com toda a discussão girando em torno dos dogmas religiosos, isso não é possível. É provável que, nesse curto espaço de tempo do exemplo - 2 anos - o companheiro sofrerá o luto e a perda de todos os planos e bens. Voltando ao amor que deve ser vivido como se a nós fosse dirigido... Amamos esse próximo para o qual negamos o direito civil, legal e que em nada fere o dogma religioso? Temos direito de negar direitos?

Não estamos discutindo um direito que caminhe no ilícito. Não é um direito que possa ferir direitos de outros. Ao contrário, é direito que agrega, que não exclui, que garante. E é um direito que nada tem a ver com o casamento religioso.

Afinal, não há como o Estado inferir à Igreja, seja ela qual for, o dever de casar. O Estado casa direitos. A igreja casa crenças, instituídas em valores que à ela dizem respeito. Esse valores podem existir no casamento civil? Bom que existam! Fidelidade, amor, carinho familiar são coisas boas e que devemos desejar ao nosso próximo. Contudo, a principal função do casamento civil é a de legalizar direitos!

Se amamos o próximo como as escrituras perpetuaram como mandamento, amamos o direito que este possui ou merece possuir, seja este qual for. E aí é uma via de mão dupla na questão do respeito aos direitos, deveres e crenças.

Posso estar sendo ingênua, mas tenho a impressão de que crença e direito se confundem nesse aspecto de um modo prejudicial e cravado em falta de compreensão. Ninguém quer seus direitos feridos. Então não se deve ferir o direito do outro, tanto o de ter o direito suceder e adquirir bens em conjunto (e isso é o mínimo que o casamento civil pode proporcionar), quanto o direito de crer e não ser julgado como ignorante por isso.

Pois ao mesmo tempo que vejo cristãos confundindo casamento civil e religioso, travando com isso verdadeiras guerras santas, vejo pessoas de diferentes opiniões e credos criticarem veementemente e derespeitosamente aqueles que possuem convicções religiosas. Religião é foro íntimo e também é garantido legalmente o direito de crer.

Portanto, vamos simplesmente amar e respeitar os direitos de todos nesse Estado em que vivemos. Tanto o direito de casar e ter direitos civis, quanto o direito de crer seja no que for, sem que isso interfira na vida alheia.

Amar o próximo não é fácil, assim como não é fácil não ter direitos.

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