Há uma postura individualista que tende a banalizar as tentativas desesperadas de pessoasem tirar a própria vida, o que transforma um problema social grave em piada na internet
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Texto originalmente publicado em: A Gazeta, Vitória-ES, 23/03/2013, p.16, c.1-4., Caderno Pensar.
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Todas as vezes em que aTerceira Ponte é paralisada, em Vitória/ES,há uma chuva de demonstraçõesde indignaçãonas redes sociais, todas arespeito de suicídio. Algumasexpressões são de consternação, detristeza e solidariedade, mas a verdadeé que a maioria das pessoas expressainsatisfação, banalizando a situaçãocom piadas, trocadilhos, imagens de"humor" e até mesmo de raiva.
Seriam essas manifestações traço nítido do nosso individualismo na formamais explícita? Trata-se de situaçãoalheia a nós, mas que se reflete emnossa vida, uma vez que a paralisaçãodo maior acesso entre os municípios deVitória e Vila Velha gera engarrafamento,caos urbano...Porém, é certo afirmar que todos queacham graça ou se indignam possuemmotivos fortes para se ater a essa vida? Ouestão tão somente pensando apenas emseu ir e vir, prejudicado pelo momentodesesperado da pessoa desconhecida que,diante dos problemas da vida, deixou-secegar pelo desespero e está no limite?
A pessoa que está lá, paralisando aponte e gerando todo esse debate, poralgum motivo resolveu que a própria vidanada mais vale. Independentemente dequerer atenção para isso ou não, o fato éque essa pessoa está em um momentodifícil, tomada de sentimentos que explodemdentro de si, confrontam-se, semque possam ser controlados de imediato.
Notícias
Alguns perguntam porque os jornaisnão noticiam. Isso é simples de se entender:noticiar um suicídio aumenta asestatísticas. Não acredita? É comprovado,apesar de não ser algo imposto à imprensa,que nesse momento se mantém respeitosaaos familiares e amigos – que não conhecemos fins que justificaram tal meio –,além de não se colocar na posição deincentivadora de tal ato.Incentivadora? Pois é, explicou osociólogo francês Émile Durkheim, emseu estudo intitulado "O Suicídio", publicadoem 1897, evidenciando a influênciasocial no resultado suicídio.
Aideia é bem simples: mostrar que umapessoa tem coragem de assumir que suavida não vale a pena e mesmo que de uma forma que atrapalhou a vida deoutros, conseguiu dar fim à própriavida, faz com que outras pessoas queestejam no mesmo estágio de desesperoe desamparo se atentem para essefato e, na falta de poder concatenar ospensamentos, tentem o ato.
Sim, o ser humano não é criativo nodesespero. Ele tenta o óbvio. Ele querse jogar da ponte, do prédio, cair nalinha do trem, coisas que soam semsentido para quem quer viver, mas quefazem o mais completo sentido paraquem quer o contrário.No mesmo estudo, Durkheim geroutantas outras estatísticas, que aindahoje são atuais, bem como há fatosestudados que hoje já possuem umanova configuração e abordagem, atémesmo por vivermos em um mundo emque sequer se divide entre duas religiõesapenas, base dos estudos dosociólogo. Mas uma coisa nisso tudo écerta, respeito todo mundo gosta.Tente se colocar no lugar de quemcogita tal ato. É difícil, eu sei. Mas podecomeçar a ter um pouco mais de sentidoao tentar esse pequeno exercíciode identificação e compreensão...
Caos social
Quando nos colocamos no lugar dapessoa que está ali, atrapalhando anossa vida, deixamos de ser menosindividuais, mais sociais. Durkheimtambém definiu o suicídio como "umato individual resultado do meio social".
Portanto, sob esse aspecto, osuicídio nos afeta pois é resultado denosso meio, do nosso caos social.Então a pergunta: onde está o respeito?O respeito em relação ao potencialsuicida está em ter a capacidadede se sensibilizar com esse momento.Sabemos que o assunto gera piada queé boa, e, sendo boa, invariavelmentevamos rir, mas a piada sobre esse assuntotem o poder de banalizar algomuito mais sério do que gritar e propagaro quase instintivo "Se joga logo!",que se prende em nossa garganta.
Tenha certeza de que a pessoa queali está, ainda que vacilante, queriamuito se jogar logo. Mas o ser humanopossui mecanismos. Somos "programados"para não tirar esse dom maiorque é a vida. Nós titubeamos sim.Somos inseguros no momento do "gatilho".
Não à toa, policiais são treinadospara atirar, por exemplo. Sãotreinados porque, se assim não fosse,poderiam titubear no momento crucialde imobilizar um bandido.Pense em todos os momentos de pressão,momentos importantes em que vocêse viu sem saber o que fazer. Momentosem que você vacilou, não conseguiutomar uma decisão de pronto... E se essadecisão é a de viver ou morrer? Pesou?
Sevocê não consegue colocar-se no lugar dequem está nesse momento de decisão, aomenos abstenha-se do assunto, principalmentenas redes sociais, onde tudose propaga em segundos, seja para obem, seja para o mal.Se você tem motivos de sobra paraviver e ser feliz, sinta-se agradecido. Edeixe, pelo menos em relação aosuicídio, o assunto morrer.
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ENQUANTO O CAFÉ ESFRIA
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