"Vô Aleixo"

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Todos os dias faço o mesmo trajeto casa/trabalho, trabalho/casa, pelo menos 4x, pois almoço em casa... E todos os dias vejo o "Seu Aleixo", ou "Vô Aleixo", que na verdade não sei o nome, apenas criei um modo simpático de me referir a ele. O vô está todos os dias, às 8h, no mesmíssimo local, mas já houve dias que passei mais cedo e ele não estava ali, ou seja, ele não dorme na rua, ele vai para aquele local todos os dias, é aquele hábito que não largamos.

E na hora do almoço ele está em outro local, invariavelmente, mas na mesma rua... Ele só anda umas duas quadras. Nesse dia-a-dia o vô recebe picolé do tio que passa com o carrinho, ganha mexerica da dupla que vende no carrinho de mão, na esquina da papelaria... Ganha café dos guardadores de carro do segundo ponto fixo dele... E ganha minha atenção a cada vez que me diz: "Me dá uma ajudinha, minha filha?"

São situações automáticas, ele lá, ele acolá, ele pedindo a ajudinha, que é sempre dessa mesma forma, sem mudar pontuação. O vô está bem velhinho, anda encurvado, sustentando o banquinho de madeira, de 30 cm de altura no máximo, no qual ele senta no primeiro ponto fixo.

Já dei o copo de café que tinha comprado na padaria em um dia de atraso. Já dei trocado... Já ignorei um tanto de vezes aquele pedido repetitivo, porque muitas vezes não tinha o que dar. Ainda assim o vô Aleixo está ali. Já questionei quem cuida dele e me preocupei quando ele sumiu dois dias. Devia estar doente. Me compadeci quando o vi caminhando para o segundo ponto fixo todo cagado, fedendo e as pessoas desviando dele na calçada...

Vô Aleixo escolheu estar por conta própria. Escolheu a liberdade da rua, sem levar em conta o quanto pode ser cruel essa vida, ou levando em conta e abraçando isso mesmo assim. E por mais que ele esteja sujo, mendigando uma ajuda, ele ainda mantém um ar tão sereno que me faz viajar no que ele pode estar pensando. O que preocupa o vô? Eu gostaria de ter tempo para sentar e conversar.

Ele não sabe, mas ele faz parte da minha vida.  

ENQUANTO O CAFÉ ESFRIAOnde histórias criam vida. Descubra agora