the wall

31 4 0
                                    

A eternidade não é algo tão legal igual muitos imaginam, quase sempre seres eternos e onipresentes também sentem tédio, e acredite em mim, essa força atua no mundo de Greenwich a Greenwich. Alguns dos meus irmãos tem métodos de se livrar disso bem peculiares, o senhor do trono da meia noite cria pesadelos, o rei abobora prepara pegadinhas e o escritor de vidas separa casais, porém eu não sou tão cruel e não tenho esse humor sombrio, então eu apenas observo, observo o quão é frágil a existência humana e como eles são orgulhosos de mais para aceitarem isso, mas sempre há exceções em todos os casos, existem coisas que o humano faz que é tão imprevisível que consegue abalar a estrutura natural das coisas, coisas que nem mesmo o próprio destino consegue prever, e hoje eu irei narrar uma dessas ocasiões, a ocasião que me deu mais trabalho e que fez eu sentir esperança em uma época sombria. Aliás, prazer eu sou a morte, e antes de você pensar em uma caveira de sobretudo com uma foice, pare, eu não sou assim, na verdade eu sou o que seu coração quer que eu seja, coração bonzinho filha/filho do Brad Pitt com a Scarlet Johansson, caso contrário eu sou o seu pior pesadelo.

  Nossa história começa em agosto de 1961, quando meu irmão mais novo, o destino, resolveu juntar dois berlinenses. Porém nesse mesmo mês a Alemanha oriental decidiu que era melhor construir um muro separando eles do lado ocidental, uma ideia de criança mimada que quer todos os brinquedos para ela, apenas mais um reflexo do que ocorreu alguns anos atrás, ocasionando assim um distúrbio na ordem natural das coisas, vários planejamentos de pessoas que deveriam morrer de um lado tiveram que ser refeitos para que elas pudessem morrer de forma tranquila na sua própria parte daquela Berlin dividida, o próprio destino ficou louco, pois teve que escrever várias novas folhas de vida, foi uma bagunça sem igual, tive que trabalhar bastante no cruzamento da fronteira, pois algumas pessoas do lado oriental não conseguiam viver daquele lado, porém durante esses meses de trabalho eu só pensava no que teria acontecido com aquele casal que destino estava planejando juntar, foi quando em um dia monótono eu decidi observar bem de perto o casal separado, nunca antes duas pessoas que deveriam ficar juntas estavam separados por uma barreira tão física.

  Decidi começar por ela, aquela garota jovem e pálida da Alemanha oriental, ela estava andando aos entornos do muro com os olhos cheios de lagrimas, parava de guarita em guarita perguntando sobre o paradeiro de seu pai e seu irmão mais novo, ontem à noite eu levei os dois para junto da mãe quando um soldado se confundiu e atirou neles pelas costas, em 21 anos eu venho reunindo a família dela no outro lado, ela era última. Quando ela se aproximou de uma esquina, eu me personifiquei do outro lado, meu plano muito bem executado foi de esbarrar nela no encontro das duas ruas, deixando assim cair algumas flores no chão, como eu sabia que ela me ajudaria a pegar as flores no chão, assim que ela se curvou pedindo desculpas por ser tão atrapalhada olhei no fundo da sua janela da alma e perguntei o que teria acontecido com ela, ela desviou os olhos para o chão e disse que o destino estava sendo ingrato com ela, pois ele havia feito coisas injustas na vida dela, pensei em defender me irmão, mas não era esse o proposito daquela conversa, ela acabou juntando todas as flores que ali estavam, olhou de volta para mim e sorriu, no reflexo do seu olho eu vi uma mulher adulta com o tom de pele de neve recém caída com cabelos morenos e vestido prateado, me apresentei como Ophelia Millais, uma inglesa que estava estudando jornalismo, e o nome dela não importa. Perguntei se ela não me quisesse me acompanhar em uma caminhada até o outro lado do muro, ela aceitou alegando que precisava de conversar com alguém, fomos a passos curtos por toda a extensão do muro, ela me fazia perguntas sobre uma vida pessoal que eu criava de momento, até que consegui a sua confiança e com firmeza perguntei a ela qual era a sua opinião sobre a vida daquele momento e lado do muro, e exatamente com essas palavras, ela me respondeu com firmeza.

- Tudo que eu posso dizer é que a minha vida é bem normal, eu gosto de ver as poças aumentando com a chuva Mas agora tudo que eu posso fazer é apenas servir café para dois e expressar meu ponto de vista mas ele não é sensato, e eu não entendo por que eu durmo o dia todo - ela começou a gaguejar - e eu começo a reclamar que não há chuva e tudo que eu posso fazer é ler um livro para ficar acordada e isso destrói minha vida, mas é uma ótima fuga mas vezes eu apenas quero alguém pra me dizer "Eu sempre estarei lá quando você acordar" Sabe, eu gostaria de manter minhas bochechas secas hoje então fique comigo e eu conseguirei por mais que você seja uma desconhecida, mas me parece que é a única com alma por aqui.

  Tal resposta causou em mim grande comoção, algo que não estava acostumada a sentir, e isso fez com que uma serie de sentimentos desencadeasse em mim, raiva, compaixão, tristeza e talvez desejo. Tudo isso era demonstrado em uma jovem loira de estatura baixa, com um sorriso encantador, mas que havia se deteriorado ao decorrer dos anos, as pessoas a chamavam de Brot, mas agora esse era um apelido bobo em uma sociedade seria, onde Brot era apenas uma lenda. 

  No decorrer do dia fizemos o que deveria ser feito, no fim da noite tomei algumas xícaras de café junto a ela e quando o trono da meia noite surgiu nos céus, eu desapareci como todas as pessoas próximas dela.

  No dia seguinte fui para encontro dele, aquele garoto que vivia descontente com sua situação atual de empresário de uma marca de refrigerante, seus conhecidos o chamavam de Baron, devido sua classe e vontade incontrolável de mudar tudo a sua volta. Mais uma vez foi fácil planejar e executar um plano de encontro, no horário em questão ele estava parado em baixo de um toldo na rua observando um mendigo que estava sentado no passeio oposto ao dele, me personifiquei novamente, fiquei parada ao seu lado e perguntei o que ele estava observando.

  - O marketing daquele sem teto do outro lado da rua - disse com os olhos fixos no homem- ele é com toda a certeza mais inteligente que todos os meus empregados.

  Surgiu uma dúvida em mim e enquanto olhava para o espelho de uma vitrine e observava com atenção a minha nova forma humana, de um homem de estatura mediana, cabelo liso e comprido, queixo robusto e usando um terno italiano claro, o questionei novamente.

  Com a mesma frieza e ainda com os olhos atentos me disse que gostava de formalidades, se apresentou para mim utilizando um cartão de visitas, me apresentei como Ezra Miller, apenas mais um trabalhador normal, ele sorriu com sarcasmos e respondeu o meu segundo questionamento.

 -Aquele sem teto está sentado ali a aproximadamente 1 hora, de caridade ele já arrecadou 15 moedas e 5 notas, na pior de todas as possibilidades, ou seja, todas as moedas sendo de 5 centavos e todas as notas serem de 2 euros, ele recebeu em apenas 1 hora 10 Euros e 75 centavos. Ficando ali apenas 4 horas por dia e trabalhando 22 dias por mês, ele lucra 946 Euros por mês, isso é muito mais do que um trabalhador ganha, e eu te pergunto senhor Miller, você acha que isso é justo? E se ele recebe mais do que um trabalhador comum, por que ele não tem uma casa melhor da que a do trabalhador comum? - suspirei para responder e ele continuou- vivemos hoje em uma sociedade injusta, onde caso você não seja criado com uma colher de prata na mão, as suas oportunidades se tornam limitadas da sua própria ignorância, e por isso a cada segundo, se perde mais e mais gênios, pois não soubemos aproveitá-los, isso me entristece, pois todas essas pessoas que passaram por nós nesse meio tempo, não notaram ele ali, apenas fizeram algo para se sentir melhor, para sentir que está contribuindo para melhorar a vida de uma pessoa.

  Não entrarei em mais detalhes pois essa conversa se estendeu por mais horas e horas, mas no fim ela se acabou com um questionamento sobre se o sem teto estava em baixo do sol para causar mais comoção a quem passava por ali, mesmo tendo um toldo do outro lado rua, ou se ele simplesmente escolheu o lugar aleatoriamente, ele concluiu que nunca saberíamos, mas eu sou a morte, eu sei que ele estava ali apenas por acaso.

 Depois desses dois diálogos com o casal, eu me senti bem ao ver o que o destino havia preparado para os dois. Em uma noite qualquer, Brot decidiu que não havia mais nada a perder, e com um surto de coragem e agilidade, de um jeito que só o próprio destino pode explicar ela pulou e atravessou aquela barreira física que a separava do seu amor, do outro lado do muro ela esbarrou em Baron, que caminhava naquela noite para tentar achar uma solução para a crise que a separação de Berlim trouxe, ambos trocaram os olhares, ela abriu um sorriso no qual não lembrava que existia mais, apenas por ter conseguido tal feito, e que agora ela poderia ter um recomeço, para ele, aquilo significou esperança, mas aquele momento raro de felicidade para a época acabou muito rápido, um soldado que estava ali de vigília viu toda a situação e sem hesitar atirou contra os dois delatores, mas as balas os atingiram como uma sensação de libertação de toda aquela loucura, estendi a mão para o casal que ali era alvejado, e como Ophelia e como Ezra, os acolhi no meu reino.  

caixa de sonhosOnde histórias criam vida. Descubra agora