Capítulo 6

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Acordei com um pequeno raio de sol tímido a passar pelas persianas. Era cedo, aliás, muito cedo. Levantei a cabeça com um pouco de esforço e olhei com carinho para  Enzo, que tinha adormecida na posição mais desconfortável de sempre á espera de notícias minhas. Meu deus, como ele é tão querido a dormir... tem um ar tão sereno, tão calmo, os seus lábios rosados tão perfeitamente desenhados ali entreabertos enquanto dorme... jamais conseguirei retribuir por toda esta dedicação...

Após algum tempo a ''idolatorar'' o pobre rapaz, decidi obter informações sobre o meu estado. Era um dia particularmente agitado no hospital. Várias enfermeiras passavam entre o que supostamente sou eu num passo apressado, como se estivessem a fugir a algo, como se a vida dependesse daquela agitação profunda. Finalmente encontrei-me. Estava totalmente dependente de máquinas para sobreviver, alguns hematomas na zona do crânio, mas nada que justificasse o meu estado. Porque motivo terei eu desmaiado? Porque motivo consigo estar sobre estar forma de meio-ser e continuar no mundo físico a observar tudo o que me rodeia? Estarei eu morta? Estarei eu viva? O que há de errado comigo para isto estar a acontecer comigo? Todas estas dúvidas pairam na minha cabeça e por incrível que pareça, não consigo encontrar uma única resposta coerente.

Decidi voltar á sufocante sala de espera. O que vi naquele momento destruiu o meu coração em mil e um pedacinhos bem pequenos: observei os meus pais, perdidos num abraço angustiante, onde as lágrimas acompanhavam os pequenos gritos de dor que a minha mãe soltava. O Enzo apenas tinha a cabeça sobre as pernas e, quando finalmente olhou para cima, reparei que os seus lindos olhos verdes encontravam-me aguados e vermelhos, o seu rosto estava inchado e molhado de tanto chorar... está mais do que visto, eu fui concedida com o objectivo de trazer dor e sofrimento a todos aqueles que no mínimo importam-se comigo. Tudo o que se está a passar... toda esta confusão... nada faz sentido... o que sou eu e porquê?

Estou aqui, sentada na velha cadeira, com uma pintura completamente lascada de tanto uso, olhando para mim, suspirando por ajuda e gritando interiormente desesperada que alguém fosse capaz de destruir a barreira natural do mundo e chegar ao meu estado físico. Toda esta angústia foi interrompida com a chegada de Enzo. Estes dias pareciam ter-lhe envelhecido. Os seus lindos olhos verdes estavam agora negros, carregados de dor e medo, já não se iluminavam e todos realmente têm razão... só damos valor ao que temos quando os perdemos e Deus... o que eu dava para neste momento passar a minha mão pela angelical cara de Enzo, olhando e perdendo-me no encanto dos seus portais para o mundo, deixando-me levar pela esperança que carregam... eu nunca pedi nada, mas ele foi realmente o melhor que me aconteceu...

Levanto-me quase num bruto arrasto e transporto este meu "corpo" pelo quarto do hospital.
- Diz-me, Enzo, que fiz eu de bom nesta vida para te merecer? Ok, isto é estúpido... estou para aqui a falar sozinha, tu jamais me vais responder... eu jamais poderei dizer que és uma pessoa de merda, que não vales nada mas que para mim, oh meu querido, tu para mim vales o mundo...- limpo muito suavemente uma lágrima que insiste em descer-me pelas maçãs do rosto- Tu és a resposta das minhas orações. Tu és uma canção, um sonho, um murmúrio, e não sei como conseguirei viver sem ti durante muito mais tempo. Eu amo-te mais do que tu és capaz de imaginar... Eu fui ingrata, fui burra, fui uma completa idiota, mas caramba, eu não estou habituada a isto. Com simples gestos tu me mostraste que a vida, talvez valha a pena ser vivida.- avancei até a Enzo e, entre soluços e lágrimas, eu sento-me na cama de hospital- Querido Enzo, eu não faço ideia se terei muito mais tempo. E não digo tão literalmente... Estás aqui agora comigo, mas em breve sairás... Eu sinto que esta pode ser a última vez que poderei falar contigo, mesmo que seja num estúpido monólogo e tu nao me consigas responder. Se eu não conseguir sair desta situação, não quero que te lembres de mim e vivas em luto. Tu consegues muito perfeitamente viver sem mim, aliá, sempre o conseguiste fazer muito bem até agora... nao me faças um entrave na tua vida por favor... Estou para aqui a falar, mas o que eu realmente te quero dizer é o quanto tu mexeste com o meu pequeno mundo, como mexeste comigo e me mudaste tanto. Tu me fizeste sentir tao completa, mesmo que estivesse vazia, fizeste-me amar, Enzo, e por isso, eu estarei eternamente grata... muito provavelmente literalmente. Eu sei que nao me consegues ver ou ouvir, mas se me puderes prometer uma coisa, promete-me que jamais voltarás a te deixar perder, que sempre te sentires inseguro irás olhar para ti com os olhos que eu passei a olhar-te. Obrigada pela honra de teres sido o meu vizinho, o meu inimigo, o meu companheiro de viagem e o meu primeiro amor. Eu arrependo-me de muita coisa, mas tu foste a única escolha que eu voltaria atrás e repetiria. Em tão pouco tempo estavas a tornar-te toda a minha vida, mas eu sou apenas um capítulo da tua. Terá mais. Eu prometo! Só para acabar,- agarrei-o pela mão grande e masculina, olhando-o nos olhos- prometes que esperas por mim?

A minha cabeça cai contra o meu peito, sabendo furiosa que nunca teria resposta...

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⏰ Última atualização: Nov 12, 2017 ⏰

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