Alepo

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Logo após deixar o país, Lorenzo imaginou que tudo passaria como chuva de verão. Não que estivesse fugindo dos problemas, ele apenas esperava que tudo voltasse a ser como era, antes de algo mudar dentro dele, ou simplesmente, que as coisas tomassem o seu próprio rumo, sem a interferência de decisões. Acreditava profundamente, que após encerrar um ciclo natural, tudo se resolveria da melhor maneira possível. Estava sofrendo tanto quanto Alice, mas já disse que detesto comparar sentimentos? Ainda haviam conflitos particulares dentro de si, mas acreditava que seria apenas uma questão de tempo, pois, sem nenhuma razão para isso, assim como os cegos veem coisas dentro de suas ideias, Lorenzo acreditava em um final feliz.

Naquele momento, a falta que sentia de todas aquelas últimas sensações experimentadas no Brasil, não passava de um grão de areia escondido na marca de uma pegada, que ganhou a forma exata da sola de um coturno, que em um passo ao longo do caminho, se aprofundou na superfície. Entre milhares de partículas de um mesmo conjunto, que se estendia por longos metros e sustentava o peso dos homens. Unidos, os grãos de areia ganhavam forma de um chão assolado, que cruelmente, lhes era roubado todos os dias, e assim como uma constelação nasce a partir de uma estrela, um grão de areia pode vir a ser significativo, do tamanho de uma saudade.

Pisar em território Sírio era a plena realização de uma breve vida inteira, e depois de atravessar o oceano, a missão militar havia se tornado a razão de se viver, ou talvez, de perder a própria vida.

Lívia e Vicente ficaram extremamente preocupados. Imaginar o filho tão jovem no meio de um conflito deste tamanho, lhes gerava um pavor indescritível, seguido de uma angústia incessante. A aflição de ambos era compreensível, visto que a milhas de distância, uma vida não tem valor algum onde impera a hostilidade. Mas diante de razões incontestáveis, qualquer argumento pode ser desconstruído. Isso faz qualquer sentimento ser diminuído, até se tornar pequeno o bastante para ser desconsiderado.

Entre as coisas que levou na bagagem, dentro do que julgava necessário, coube também dentro da mochila abarrotada, o cordão que ganhou de sua mãe no dia em que ingressou no quartel, a insígnia que ganhou do avô quando criança, e agora orgulhoso, Lorenzo carregava no pescoço o símbolo da missão de paz, o exibindo como um troféu.

Amorosamente se lembrou de Alice, e decidiu assim como ela, fazer uma cápsula do tempo. Lorenzo guardou estas coisas juntas, em uma pequena bolsa de couro, que parecia me ser um tipo de carteira antiga, onde se carregava moedas de ouro. Aquelas coisas para ele, tinham um valor incapaz de ser comprado, nem mesmo, por todo o dinheiro do mundo.

O pelotão estava alojado em uma espécie de acampamento. Havia muita areia naquela região. Por ora, parecia um deserto, já por outras, um cemitério. Se espalharam ali como esperança, na tentativa de se alastrar por todos os lados, alcançando assim, o maior número de habitantes e cidadãos inocentes possíveis. Então eles se dividiram, entre postos improvisados pelo vilarejo, para socorrer os soldados e também habitantes feridos em conflitos.

O grupo, muito bem preparado pelo Sargento Braga, sempre revezava para dormir. Algumas vezes, eles cochilavam dentro de uma barraca armada, feita de plástico. Já outras, dentro dos próprios carros do exército. Mas o sono nunca mais foi como o de antigamente, assim como o de uma mãe que acaba de ganhar o filho. Dormiam ao lado da arma, praticamente sem desmanchar a posição, com um olho aberto e o outro fechado, literalmente.

Dentre todas as coisas que ficaram para trás, Lorenzo estava sentindo muita saudade dos almoços em família. Só de lembrar do gosto da comida preparada por Lívia, lhe dava água na boca. Além de não ser das melhores, a refeição que faziam era agora, praticamente controlada. Ele não aguentava mais comer enlatados. Por incontáveis vezes, se deparou com crianças se aproximando do acampamento, na esperança de ganharem algo para matarem a fome, enquanto outras coisas foram assassinadas perante os seus olhos: seus sonhos infantis, sua esperança e seus familiares. Naquele instante, eles lutavam apenas pela própria sobrevivência, e esperavam qualquer coisa. Quando isso acontecia, sem hesitar, Enzo deixava de comer para repartir o alimento entre elas. Ele até pode ter aprendido a ser frio na teoria, em algum momento, mas seu coração continuava bom, e não havia frieza capaz de se manter intacta diante de uma cena como esta.

Princípios, Dezembros e FinsOnde histórias criam vida. Descubra agora