O Espelho e o Desconhecido

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Ana Alice não aparentava a idade que tinha, talvez por ter uma alma sonhadora. Para ela, aquele era apenas um número e nem todos sabiam, nem precisavam saber.

O espelho carregado por um jovem rapaz refletia a imagem de um rosto infantil e nele, havia um par olhos que apesar de discordarem entre si, combinava com o nariz, que não destoava da boca, que se alinhava sublimemente com o queixo. A face de Alice era como uma junção de acordes que juntos, formavam a melodia perfeita.

Tenho convicção de que existiam duas covinhas presentes por ali em algum lugar, escondidas, aguardando escapar um sorriso para entrarem em cena. Já as poucas sardas que tinha, davam o ar da graça embaixo do sol.

De corpo inteiro, ela era uma verdadeira falsa magra que vestia um jeans 38 e quem a media, acreditava que ela era bonita demais para caber dentro dele, pois suas curvas eram típicas de uma brasileira.

A sensação térmica era constantemente intensa na sua região, principalmente nessa época do ano: final de primavera e início de verão. O sol que para muitos era quase um castigo, para ela era um presente, já que sob o bafejo de dezembro sua pele parecia ganhar uma nova cor e as ondas do seu cabelo ruivo pareciam brilhar ainda mais, tanto, quanto nas propagandas de shampoo da televisão.

Por um momento de leve ventania quase parecia dançar, já por outro de brisa, as mechas cor de cobre pareciam descansar sobre os ombros cobertos pela parte de cima do vestido.

Vermelho era sua cor favorita e o contraste entre as cores era admirável de se ver e faziam assim dela, monumento de um instante - visão privilegiada de quem podia observar a cena.

***

O modo desajeitado de carregar aquele espelho revelava sua inexperiência. A juventude escorria pelos poros da pele e esbanjava vitalidade em sua aparência. Nicolas mal podia carregar o objeto, quem dirá enxergar Alice!

Esbarrar nela foi praticamente inevitável. Alice por sua vez, se mostrou expressivamente incomodada com toda aquela situação e o jovem completamente constrangido, pediu desculpas. Mas ao mesmo tempo percebeu que o que a incomodava não era o fato de alguém ter esbarrado nela, e sim, ter de encarar a sua imagem no espelho.

Desolada, depois de afundar o rosto entre as mãos, dobrou o corpo ao meio e empurrou as pontas amarrotadas de tecido para dentro das sacolas. Depois de conferir com cautela possíveis danos antes de guarda-las novamente, ergueu-se do agachamento para uma postura encurvada enquanto juntava as alças.

Ao elevar a face, os dois olhares se cruzaram acidentalmente, se embolaram e ficaram presos em um mesmo ponto por algum tempo.

Alice e Nicolas jamais poderiam imaginar que o tamanho do estrago daquele segundo acontecimento poderia vir a ser bem maior do que fragmentos cortantes ou roupas com etiqueta espalhadas na calçada.

Após conseguir desembaraçar o nó que entrelaçou as retinas, ele estava diante de uma difícil decisão: não sabia se ajudava a garota se levantar, ou se continuava segurando o espelho. Dúvidas costumam ser cruéis para indecisos!

O rapaz até tinha boas intenções, mas enquanto pensava em como poderia ter feito as duas coisas ao mesmo tempo, Alice já estava virando as costas. Dessa vez, ele foi mais rápido, precipitado eu diria, e um elogio sincero saltou na frente dela.

__Ei moça! Deveria se olhar mais no espelho! Você é linda!

Alice interrompeu a intenção de um passo e rapidamente olhou para trás, fitando o jovem que agora estava com os olhos arregalados como quem teme a resposta que está sendo fabricada.

__Deveria ter mais cuidado com este espelho. Pode machucar alguém. E não deveria elogiar desconhecidos. Eles podem acreditar.

__ A senhorita acabou de me dizer o que eu devo e não devo fazer e eu não sei se quer o seu nome.

Princípios, Dezembros e FinsOnde histórias criam vida. Descubra agora