O Precipício do Esquecimento

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Alice nunca foi boa em fazer várias coisas ao mesmo tempo, mas agora ela estava dando ritmo aos seus passos quase invisíveis, enquanto repetia o próprio nome como se fosse um mantra __ Ana Alice Schmidt. O som de uma voz aguda parecia vir da avenida das flores, mas estava sendo ofuscado pelo barulho de uma cidade inteira e ia ficando cada vez mais baixo, à medida que sua mente funcionava na mesma velocidade em que as pernas.

Aquele lugar não lhe era estranho, tampouco sua presença era novidade ali. Os seus cabelos estavam eriçados e a situação só piorava conforme iam balançando de um lado para outro, à proporção que seu pescoço obedecia seus olhos acesos e inquietos, que pareciam estar sutilmente apreciando a beleza de construções históricas, quando na verdade, estavam desesperadamente em busca de qualquer rastro de uma vaga lembrança.

Alice tinha a sensação que já poderia ter chegado, senão fosse pelo imprevisto que lhe ocorreu. E é claro que o culpado para tamanho transtorno tem nome: ela apenas não se sabia ainda exatamente qual era. Insistir na ideia de jogar a culpa em Nicolas, na verdade, nada mais era do que uma estratégia, um pretexto que ela usava para não deixar de pensar nele, sem admitir para si mesma que não precisava de um real motivo para isso.

Quanto mais próxima estava do consultório, Alice sentia que mais próxima ela estava de entender como tudo aconteceu. Já faziam alguns minutos que aquela simples consulta havia se tornado um caso de vida ou morte. Temendo perder a hora marcada, Alice arrisca-se perguntar as horas a uma jovem que aparentemente acabava de sair da academia e caminhava na mesma calçada em sua direção. A jovem desacelera os seus passos interrompendo seu suposto exercício, retira os fones e sem disfarçar olha diretamente para a bolsa que Ana Alice carregava com dificuldade em uma das mãos, sobreposta a três sacolas que você já sabe quais são. No bolso dela, pelo menos metade de seu Iphone estava pulando para fora, visível e aparente, com um relógio menos chamativo apenas que o da torre de Londres. A garota Fitness volta a olhar para Alice e faz uma careta como se estivesse olhando para um extraterrestre e ignorando a pergunta, volta a ouvir música.

__Quanta gentileza!

Alice que não tinha tempo a perder, interrompe seus passos e tira dos pés o seu par de sapatos "36". Eles não eram de cristal como o sapatinho da Cinderela, mas eram tão encantadores quanto aqueles. Deixavam o peito do pé à mostra, alongando ainda mais as suas pernas e deixando Alice ainda mais bonita.

Ela que definitivamente, sabia andar de salto, tanto como se andasse com aqueles sapatos horríveis de cadarço, pois andava com tamanha delicadeza sobre os mesmos que seus passos além de serem praticamente invisíveis, eram também silenciosos.

Devido a ânsia de sua pressa, Alice decide continuar descalça, sem se importar com o que as pessoas que a observavam na rua iriam pensar. Era a sua história que estava em jogo. Colocando os sapatos dentro de uma das sacolas, ela então retoma seu caminho e segue em ritmo acelerado, com a mesma urgência de quem precisa enviar uma carta antes que o correio feche.

Já perante o seu destino, Alice sente-se frágil. De baixo até em cima seus olhos miúdos percorriam andar por andar, acompanhando a altura do prédio histórico que diante dela, parecia um arranha céu.

Alice sobe três degraus na intenção de atravessar a porta. Entre um e outro, o seu coração dispara. Ao entrar no elevador, ela lembra que ainda havia tempo para desmarcar a consulta. Dane-se o atraso! Ela ainda poderia fugir. O elevador subia e coração subia junto, a essa altura, já estava saindo pela boca.

__Ele vai pensar que eu sou louca.

__(Pelo amor do céu Alice! Tenha coragem uma vez na vida!)

Quando mais se distanciava do térreo, Alice procurava manter a calma enquanto marcava o tempo com o pé. Isso mesmo. Era um compasso e dentro da cabeça dela existia um ritmo. Da porta do prédio até o divã eram exatamente vinte cinco passos, Alice contou. Cada um deles representava um dezembro e ela estava caminhando de volta para eles, para se lembrar de tudo, como realmente aconteceu. Essa maneira de marcar o tempo era uma das suas melhores estratégias para se distrair, perdendo apenas para a leitura e escrita, é claro.

Princípios, Dezembros e FinsOnde histórias criam vida. Descubra agora