Espelho da Alma
Magalhãesestava em frente à igreja Matriz de Santo Antônio na histórica e aconchegante cidade de Mateus Leme. A noite era muito fria e a lua e uma lamparina que sempre carregava consigo eram as únicas fontes de luz que o iluminavam. Sempre andava sozinho e já estava acostumado com o olhar assustado das pessoas que certamente o temiam por pensar em quem seria aquele enigmático homem que passava todos os dias e noites por aquelas mesmas veredas em total solidão e sem rumo.
Sentou-se em um tronco de madeira que servia de banco, para descansar um pouco. O peso das lembranças em sua mente era insuportável. Sentia-se culpado por ter perdido seu último amor, o que o fez entregar-se aos braços da depressão e abandonar seus sonhos e enquanto olhava para o céu na direção em que as torres da igreja apontavam, suplicava por algumas palavras de afeto ou talvez por mãos de algum anjo que lhe ajudasse a reerguer-se.
Enquanto a noite trazia a escuridão, o silencio e ninguém mais peregrinava pelas ruas. Magalhaes notou que alguém se aproximava por aquelas ruas desertas, apertadas, feitas de pedras e cercadas de casas antigas por todos os lados e caminhava em sua direção.
Era uma mulher de grandes olhos castanhos, pele branca e longos cabelos negros. Sem se importar com o olhar surpreso e até um pouco assustado de Magalhaes, ergueu seus longos braços delicadamente e cumprimentou-o educadamente pedindo para se sentar ao seu lado. Ele respondeu com um longo olhar e ela interpretou como sendo um sim.
— Desculpe-me, mas não tenho nada para lhe oferecer. – Disse Magalhaes com um sorriso sem graça.
A jovem ficou em silencio durante alguns momentos, mas com um divino sorriso em seus grossos e rosados lábios enquanto olhava para o céu na mesma direção em que ele olhava e fez um comentário sobre as estrelas. Disse que cada amor que surge faz nascer uma estrela e cada uma delas possui um casal de amantes na terra e estas estrelas são na verdade caixinhas onde os anjos guardam nossos momentos com essa pessoa, para que no momento em que deixarmos esse mundo e nos encontrarmos juntos nela, fiquemos recordando tudo o que passamos nesse paraíso... E seu brilho são os olhos de algum anjo colhendo lembranças para guardar...
Magalhaes olhou para o rosto daquela mulher e viu que seus admiráveis olhos também brilhavam.... Ela então trocou a visão de um majestoso céu estrelado pela imagem de seu rosto e o perguntou se ele tinha uma estrela. Ele ficou sem palavras por alguns instantes e como não tinha versos para encantá-la, resolveu contar uma estória que havia acontecido consigo...
— Há muito tempo atrás, em uma noite como esta, cheia de mistérios e encantos, eu estava exausto e resolvi parar e descansar um pouco. Neste momento vi uma criatura sublime que se aproximava, seus passos eram leves e sutis, não tinha adjetivos para descrevê-la, estava acima da minha capacidade de imaginação, também não tinha substantivos para denominá-la, aproximou-se de mim e me deu um leve toque nos ombros com as pontas dos dedos. Senti-me como se um anjo tivesse me acolhido em suas asas... Eu estava com frio e ela trouxe uma coberta para me aquecer, estava escuro e ela trouxe luz, encontrava-me com fome e ela me deu alimentos, estava com sede e ela ofereceu a água de sua boca, sentia cansaço e recebi uma massagem, estava sozinho e ela me recebeu em seus braços e me fez companhia e quando não sentia mais nada ela me deu um beijo, meio transmissor do amor. E nos dias que se passaram eu me sentia em êxtase, tinha descoberto todo o encanto que podia existir, passei a decifrar o canto dos pássaros, a sentir o gosto da água, o suave toque do vento na pele e o maravilhoso calor do sol aquecendo o meu corpo, tudo passou a ser místico e divino... Mas eu queria ter tudo isso sempre e então comecei a procurar novas fontes dessa maravilhosa substancia que havia descoberto, procurei, procurei e não encontrei e quando estava novamente faminto, com frio, sozinho... Quis beber daquela água e não tinha, quis sentir o sabor daquela fruta e não sentia, era noite e estava escuro e nada me iluminava... Quando me dei conta percebi que ela havia ido embora. Eu estava novamente sozinho... Nesse instante percebi que eu só queria receber, não havia compartilhado o que eu tinha de bom com aquela criatura divina, não tinha dado a ela os nobres sentimentos que ela almejava, tampouco um pouco de atenção... Não correspondi a seus anseios, não fui espelho.
Depois de lhe contar essa estória Magalhaes disse a ela que talvez tenha uma estrela grande e de brilho intenso.
— Vê como todos nós temos algo para oferecer? – Perguntou a Jovem o encarando e segurando forte suas mãos dizendo com a voz carregada de sentimentos. Obrigado por compartilhar comigo seus pensamentos. — Você havia descoberto a maior de todas as coisas, o amor. Esse é o nome do encanto a que você se referia. O tempo cumpriu o seu papel de lhe ensinar como devemos viver e hoje você sabe que esse encanto deve ser correspondido para poder sobreviver... Talvez um dia você possa sentir novamente esse encanto...nem todos os amores foram vividos e tantos são os amores perdidos que existem por não serem correspondidos. Aprenda a amar-se e doe o que aprender a almas que necessitem.
Após estas palavras ele sentiu novamente o doce sabor do vento frio, que passeavam pelas montanhas que cercam a cidade, bater em seu rosto o fazendo arrepiar e ao virar-se para o lado percebeu-se sozinho.
Levantou-se, subiu as escadas da igreja, bateu na porta e aguardou por alguns instantes... o padre que passara a noite na igreja o acolheu. Ao contar o que acontecera o padre não acreditou em sua história, mas deu-lhe uma oportunidade de recompor sua alma e refazer seu caminho.