Rosas
— Mulheres que não gostam de flores não conhecem o que é o amor...
Foi o que me disse Cristina quando viu a mulher a quem eu tanto desejava, recusar uma rosa que eu lhe oferecera e deixar-me acompanhado apenas de um copo de licor, vazio. Era meu primeiro encontro a sós com uma mulher que conhecera a alguns meses naquele mesmo bar e por quem me apaixonara à primeira vista.
— Sente-se aqui ao meu lado. – Me chamou Cristina, oferecendo a visão deslumbrante de seus olhos castanhos claros e sua companhia. Não me digam que foi por piedade que ela me chamou. Pensem em outra coisa, por favor.
— Que bom que não me achou um romântico tolo. — Comentei com ela tentando disfarçar a minha vergonha, com um sorriso. — Por suas palavras deduzo gostar muito de flores. — Disse tentando puxar assunto e lhe oferecendo as flores.
— Sim, principalmente sendo tão lindas. Elas me falam tudo sobre o amor. — Disse ela pegando a rosa na outra mesa e a colocando delicadamente ao seu lado. Assim como as flores, o amor também nasce de uma minúscula semente e quando encontra uma alma para acolhe-lo e abraça-lo, como se terra fosse, lhe oferecendo luz, calor e umidade, faz surgir uma pequena plantinha, que se cuidada for, crescerá espalhando um dia mais amores, mais flores, devolvendo a terra que lhe acolheu suas cores, seu perfume e sua essência.
— Talvez algumas mulheres vejam de outra forma. – Respondi ainda chateado.
— Por que afirma isso?
— Lembro-me de um caso ocorrido em minha juventude. No auge da minha adolescência, aflorou-se em mim uma paixão súbita por uma belíssima menina com a minha mesma idade, de nome Camile. Certo dia resolvi ir em sua direção e lhe pedir um abraço dizendo a ela que trazia um presente, algo especial. Pedi que fechasse os olhos e estendesse as mãos. Ao sentir que algo tocava suas palmas ela as fechou com força e sentiu algo perfurar sua pele, fazendo com que seu sangue escarlate e quente escorresse por sua pele branca. Um espinho a havia ferido. Ela jogou com raiva a rosa ao chão, fazendo com que suas pétalas se despedaçassem no solo cinza e duro. Me decepcionei. Esperava ouvir um elogio, ganhar um olhar ou ao menos um sorriso. Naquele tempo apenas isso me bastaria. Estava certo de que meu amor seria correspondido, de que meu sorriso seria retribuído e que meus pedidos seriam atendidos, mas creio que o meu coração e o daquela jovem se despedaçaram junto daquelas pétalas desfazendo-se junto com minha inocência...
— É preciso ao homem saber dar amor e a mulher deve aprender como recebe-lo. Comentou Cristina me devolvendo o verbo:
— Quando ofereci a rosa a Camile ainda não sabia que não poderia entregar a alguém a minha alma como um presente, como se a arrancasse de meu corpo tal qual uma rosa é retirada da terra. Poderia apenas permitir que ela visse minha alma mais profundamente, convivesse com seu perfume e sua beleza e a sentisse mais perto de si a cultivando para que cada vez se tornasse mais linda e forte, como alguém que admira nos campos as flores e acompanha todas as suas fases de crescimento encantado com seus mistérios. Sei que deveríamos aprender a não odiar a todas as outras flores por que apenas uma foi capaz de nos ferir e que mesmo nos melhores sentimentos estava escondido à dor, mas para crescer é preciso tempo e não tínhamos ainda amadurecido.
Cristina passou as pontas dos dedos delicadamente sobre as pétalas, de um intenso vermelho tal qual seus lábios, e me disse que se alguém colhe e se apossa de uma rosa ou de uma alma, também percebe que as suas pétalas aos poucos se perdem, que as flores também envelhecem e rapidamente morrem e compreendem que ao arrancar as suas raízes ou não a cuidar e alimentá-la todos os dias, elas se desmaterializam e se desfazem rapidamente com o tempo. Nenhum ser deve se apossar de outro ou doar-se completamente. A dor de um desamor pode tão mortal quanto a falta ou o excesso de agua e sol para uma planta. O toque nos sentimentos de um outro ser e tão letal quanto o toque nas pétalas de uma flor e se for atingido seus espinhos o ferimento pode se perpetuar nos recantos ainda mais profundos da alma. Mas essas coisas o homem só aprende com o tempo a não ser que algum dos anjos que desenham os caminhos por onde os homens andam, o ensine.
Cristina levantou-se e pediu para ficar com a flor. Deixei que a levasse consigo. Sozinho na mesa enchi novamente o copo e continuei a beber meu licor doce e ácido e a pensar que durante toda minha vida outros espinhos iam ferir a minha alma, a de camile e muitos outros e a cada vez que isso acontecesse jamais veríamos as flores com a mesma intensidade de cor e beleza de antes, mas certamente estávamos aprendendo a cultivar o amor.