Reencontros

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Reencontros

Sentada ao pé da cruz que se erguia sobre a lapide de seu pai, ela não se continha em lagrimas, que pareciam se misturar as gotas de orvalho caídas sobre a grama, e aguardavam o nascer do sol para secá-las com seus raios de luz. Seu olhar distante tentava encontrar algum sentido na pífia existência de nossos corpos.

Emily tirou de sua mochila um livro velho que seu pai costumava ler para ela toda noite antes de dormir, em sua rica infância, prova disso eram as páginas amassadas e rabiscadas. Sobre as pernas cruzadas o apoiava. Tentando estancar as lagrimas que sangravam de seus olhos, buscava se distrair com algo que a fizesse vagar os pensamentos. Algo que lhe trouxesse esperança.

O corpo de seu pai já descansava sob a terra a quase um mês, mas vendo-a no cemitério, pela segunda vez naquela semana, um coveiro que juntava as folhas e recolhia as flores aproximou-se lentamente e sentou-se ao seu lado, lhe oferecendo seu silencio em reverencia a sua dor e em seguida, alguns verbos bem selecionados para acalmá-la e acalentar sua alma fria.

- O Senhor provavelmente quer sabre o motivo pela qual venho tanto a esse lugar. Temo não encontrar mais a alma que tanto me deu amor, em outro mundo. Visto que esse já se findara. – Disse Emily fechando os olhos e suspirando aquele pesado ar. - Quando criança acreditava em anjos, mas não creio mais. Nem mesmo creio que exista o céu ou inferno. Quisera eu crer tal qual um religioso qualquer. Sentiria uma dor mais branda se pudesse imaginar encontra-lo um dia.

- Sei que palavras são solventes fracos para dissolver a dor que assola nossos pensamentos, principalmente em dias tão escuros, mas posso lhe dizer que diante de tantos corpos sem almas, que nesse lugar deixaram sua matéria, aprendi algumas boas coisas. - Disse o senhor magro e frágil, com mãos calejadas e sujas de terra apoiando-se no cabo da enxada.

A jovem de cabelos lisos e olhos claros, tentava esconder sua expressão de saudade limpando as lagrimas e disfarçando os olhos molhados e coloridos de negros por noites mal dormidas, os direcionando no sentido oposto ao coveiro.

Com a serenidade, que a idade presenteia aos idosos que conseguiram ler e aprender com as estórias que vagueiam no tempo, ele respirava lentamente e atentamente observava o livro que ela apoiava em suas pernas e seu jeito tímido.

- Talvez sua fé tenha se dissipado como nuvens, minha jovem, mas nada acontece ao acaso. Tudo neste mundo está em movimento e de uma forma ou outra acabamos por reencontrar o que procuramos ou a quem queremos rever.

Ainda incrédula Emily continuou em silencio para ouvi-lo, mas resolveu fita-lo nos olhos.

- Nossos pais são como essa arvore, disse apontando para um Ipê branco, e talvez os enxergamos da mesma maneira que suas folhas e flores os veem. Como seres de grande poder, que as alimentam, colocam diante da luz ou das sombras, fazem crescer ... até que um dia as flores também secam, perdem a cor e caem ao solo. Mas a arvore, certamente, também um dia morre! E alguém fará dela um móvel, lenha ou a matéria para que uma folha de papel chegue as mãos de um escritor e em um livro como esse que segura com tanto carinho, um poeta derrame seus singelos sentimentos, costurando as letras como alguém que cria uma colcha de retalhos para aquecer-se em dias frios. E então, de repente – Disse o velho esticando o braço e segurando uma flor branca que marcava a página do livro de Emily. - De algum modo, essa mesma flor, que pelo acaso poderá ter nascido da mesma arvore que forneceu a matéria prima para seu livro, poderá se tornar o objeto que marca as linhas dessa página que possui versos que te consolam. Reencontrando-se novamente, juntas, a flor e arvore com um novo proposito.

Após uma breve pausa em que ambos se abraçaram ao silencio ele prosseguiu com seu discurso:

- São muitos os segredos do universo. Quem somos nós, criaturas tão frágeis, para dizer o que realmente existe após a morte ou mesmo antes dela? - Perguntava com singeleza o coveiro. Não sabemos ao certo sequer nossa origem e muito menos qual nosso destino. Se em seu coração não couber a fé ao menos a substitua-a pela dúvida. O tempo talvez lhe dará novos caminhos para que seus pensamentos decidam que tudo que ouvimos pode ser real ou apenas uma deliciosa ilusão de que a vida após a morte é bem melhor. Algumas palavras são pontes que nos aproximam de anjos, mas também podem nos levar a lugares escuros em que não podemos enxergar nenhuma esperança. Concentre-se na dúvida. Apegue-se a ela como uma esperança.

Emily com os olhos mais brilhantes e um ar de leveza, guardou seu livro de poemas em sua mochila, tendo o cuidado de manter a flor intacta, e com um sorriso, agradeceu ao coveiro, por sepultar alguns de seus medos.

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⏰ Última atualização: Dec 16, 2016 ⏰

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