Amantes
Laurine saía de casa escondida quase todos as noites para encontrar seu amante com a mesma volúpia de uma alma que abandona um corpo inerte, libertando-se de sua sepultura e parte em direção aos céus, para encontrar-se com deus. Olhava aflita para seu relógio, irritada com a lentidão dos ponteiros que preguiçosamente demoravam uma eternidade para se moverem durante o dia enquanto à noite, só para contraria-la, aceleravam o tempo.
Com cabelos soltos e sobre o julgo de alguns olhares aguçados de velhas senhoras que passavam o dia penduradas nas janelas, Laurine sabia que elas a observavam descer a rua com um vestido vermelho, colado ao corpo marcando suas curvas e deixando um rastro de perfume capaz de causar o silencio e o salivar, em qualquer homem com instintos aguçados. Aquelas mulheres sabiam que o marido de Laurine passava dias viajando e a deixava sozinha em sua casa.
De cabeça baixa ela seguia pela rua ao encontro de Ramires e no silencio da noite seus pensamentos gritavam e como gladiadores travavam uma batalha mortal, tal qual o bem contra o mal, Deus contra o diabo.
— Por que deveria eu purificar minha impura alma? — Perguntava em resposta a si mesma em voz alta tentando encontrar uma razão justa para trair a confiança de seu esposo. Irritada com os olhares desconfiados de seus vizinhos ela deduzia que eles estavam profanando sua imagem e a censurando. Se pudesse lutar contra seus próprios conceitos diria a elas com autoridade de quem conhece suas razões: — Condena minha alma por ser pecaminosa sobre quais leis? A da tortura ou do abandono? Quem nunca se sentiu abandonada pelo amor, sendo preenchida que atire a primeira pedra. Quem seria capaz de viver com a escassez do amor? De que vale o curso de um rio sem agua para dar de beber a quem tem sede? Pois prefiro o excesso. Melhor me afogar em um lago do que sentir essa sede que me tem tornado uma mulher seca.
Havia casado com um homem de coração duro que a acorrentava a seus pensamentos de dominação, com um ciúme doentio e não lhe entregava sequer um pouco de afeto para alimentar seus desejos. Mapeava os lugares que ela poderia ir. Selecionava os amigos a quem ela poderia se dedicar.
O olhar de Laurine com o tempo se tornou gélido. Seus sorrisos, falsos. Expressões sem brilho.
Ele não sabia como eram os dias de sua mulher, pois em sua mente ela era apenas a extensão de sua carne. O domínio que exercia sobre ela o impedia de conhecer o mundo deslumbrante construído na visão de sua mulher, antes que seus sonhos tivessem sido invadidos e saqueados. Sequer a permitia compartilhar de suas ideias, de suas preferências e de seu humor. Laurine se assemelhava a um pássaro, que aprisionado em uma gaiola só servia para atender seus anseios e enganar os sentimentos de seu parceiro quando entregava seu corpo, com um canto gemido que na verdade enfeitava um choro.
Quem neste mundo poderia me julgar? – Continuava Laurine jogando palavras ao vento, com raiva de sua consciência que insistia em reclamar de seu fardo de mulher mal-amada. — Ninguém é capaz de me odiar mais do que eu pelas coisas que faço. Sou estranha para mim mesmo... murmurava enquanto seus passos acompanhavam o ritmo de seu coração que acelerava sentindo a proximidade da presença de seu amante e isso a fazia lembrar de poesias e cantarolar tal qual criança se esquecendo por alguns instantes das mazelas do cotidiano, deixando que a vida corresse em suas veias e se expressassem por meio da voz e da dança. Por instantes uma inquietante criança possuía seu interior e lhe tirava de seu triste mundo.
Ela sentia que o mundo precisava de mais poetas e mais cantores, porque estes, nunca superam a pecado dos que espalham a mal e aprisionavam o coração das mulheres, mas se tornaram cada vez mais raros. Palavras sutis ditas por vozes e letras inquietas desses artistas capazes de expressar o amor, talvez sejam as únicas fontes capazes de aquecer almas de mulheres adoecidas pela ausência do amor com carinho para que elas se sintam vivas. Este sempre fora seu pensamento que preso por amarras não conseguia mais sentir no corpo e nos fluidos do homem a quem se entregara no altar, qualquer toque de paixão.