Capítulo 2| Mentiras
» 7 anos antes «
A chuva embate, fortemente, contra o para-brisas e escorre pelas janelas. Os meus dedos passeiam ao longo do vidro embaciado desenhando círculos irregulares. Sempre que encaro o exterior parece tudo tão vago visto daqui, tão obscuro. Parece algo imaculado e ordinário. Uma paisagem sem cor, na verdade.
Não era suposto mudarmos de casa, não havia nada de errado em Mississauga. Apenas, a minha mãe não queria continuar no Canadá após o incidente do meu pai com a minha tia. Estar perto deles e relembrar o que eles lhe fizeram, não estava a ser bom. Por isso, arranjou contactos em Louisiana, que conseguiram arranjar-nos um apartamento e uma escola para mim e para o meu irmão.
Ela está nervosa com a mudança. Consigo observar isso pela maneira como agarra o volante e observa tudo à sua volta. Estamos perto de chegar a Louisiana e, muito sinceramente, eu já estava a precisar de alguma inovação na minha vida. Algo que me pudesse realmente motivar a fazer algo do meu futuro.
- Já chegámos? - Nathan questiona inclinando-se no banco da minha mãe à sua frente.
- Estamos quase - Ela olha um pouco mais o mato à sua volta. - Acho eu - Melissa fala num tom mais baixo, um pouco insegura. - Querida importas-te de verificar se a morada está correta no GPS? - A minha mãe passa-me o seu telemóvel para as mãos.
- Eu penso que sim. Qual é a morada ao certo? - Questiono e ela confirma a exata morada apontada no ecrã. - Sim, nós estamos no caminho certo. Relaxa mãe, vai tudo correr bem - Sorrio colocando a mão no seu ombro. Melissa encara-me por meros segundos e sorri.
Após 3 dias de viagem, com uma carrinha recheada de malas e caixas, estamos todos cansados. Cansados dos quartos de hotel, cansados das sanduíches mistas das estações e da comida de plástico que nos tem alimentado. "3 bilhetes de avião não são assim tão caros" disse eu um dia destes para a minha mãe. Mas ela nunca sairia do Canadá sem a casa atrás. Tão bom para um novo começo, não?
*
- Nate, tem calma por favor! Temos muitas caixas para levar para cima, tens que ajudar em alguma coisa. - Melissa tenta acalmar o seu filho irrequieto e dá-lhe uma das suas malas para a mão.
Eu sei que estes acontecimentos todos estão a deixá-la nervosa e cansada. Desde o divórcio com o meu pai que ela tem trabalhado demais, deixou de cuidar dela e isso estava a mexer com todos nós. Esta mudança vai-nos fazer bem. É basicamente uma cidade por descobrir.
Todos saímos do elevador e largamos as malas e as caixas à porta.
- Acho que é aqui. - Melissa olha para o pequeno papel na sua mão para confirmar o número da porta e com a sua outra mão coloca a chave na fechadura.
Entramos todos em casa e observamos tudo com muita cautela. Tudo parece em bom estado. A casa está mobilada e tem umas grandes janelas na sala onde podemos observar a cidade inteira.
- Sexto andar, hum? E eu a pensar que tu tinhas medo de alturas - Rio um pouco encarando o exterior.
- E tenho, por isso é que me vou manter afastada dessas grandes janelas. - Ela ri comigo.
*
- Sky? Podes ir pôr o lixo lá fora por favor? A casa está a encher-se com demasiadas caixas. Parece que estou a ser engolida pelo cartão. - Rio com o exagero da minha mãe e pego em algumas caixas, abandonando o apartamento. Pouso-as no chão enquanto espero pelo elevador e a porta do apartamento à nossa frente é aberta, exibindo um rapaz a arrumar as chaves no bolso das suas calças de fato de treino negras.
- Vizinhos novos? - O rapaz de cabelo castanho questiona e eu sorrio.
- Parece que sim - Rio fracamente e ele aproxima-se de mim.
- Oh... Ninguém me tinha avisado. - Ele sorri. - Sou o Dylan, o vizinho da frente, e tu és? - Ele estende-me a sua mão direita.
- Skylyn, aparentemente a tua vizinha da frente.- Aperto a sua mão e o moreno lança uma pequena gargalhada. O elevador chega.
- Eu ajudo-te com isso. - Dylan pega nas caixas e ambos entramos no elevador. Carrego no botão 0 e começamos a descer. - Então... Vives sozinha? - Ele questiona-me e eu nego com a cabeça.
- Vivo com a minha mãe e o meu irmão mais novo. - Tento não olhar fixamente nos seus olhos, pois sei que se o fizer a minha cara tomará uma tonalidade um pouco mais avermelhada do que o costume. - E tu?
- Eu vivo com um dos meus irmãos. - Ele afirma.
O elevador para e ambos saímos.
- De certeza que não queres que eu leve? A sério, não precisas de as carregar por mim - Encaro-o pela primeira vez após termos entrado no elevador.
- Não, está tudo bem. Eu consigo - Dylan coloca as caixas no caixote do lixo e sorri para mim. Com as mãos nas ancas, o que me dá a perfeita visão das linhas do seu corpo pela sua camisola fina branca, Dylan olha fixamente nos meus olhos, deixando-me envergonhada.
- Bem, obrigada. - Baloiço nos meus calcanhares tentando não olhar nos seus bonitos olhos.
- Não tens de quê. - Ele molha os seus lábios com a língua. - Eu se calhar devia ir andando, senão vou atrasar-me. Nós vemo-nos por aí quase de certeza. - Dylan afirma.
- Sim sim, claro. Eu também deveria ir - Digo forçando os meus lábios numa linha reta.
- Foi um prazer conhecer-te Skylyn - Ele coloca as mãos nos bolsos das suas sweatpants e começa a andar para trás.
- Digo o mesmo Dylan - Sorrio e ele roda os calcanhares começando a assumir um caminho, para mim, desconhecido.
Volto para o interior do edifício e chamo o elevador.
» Presente «
- O que é que tem o Dylan de tão especial? - O Dr. Robertson questiona-me e eu não sei como lhe responder. - Para além de lhe ter dado a notícia do Thomas e de ser o melhor amigo dele.
- O Dylan foi a primeira pessoa que conheci quando me mudei de Mississauga para Louisiana. Ele ajudou-me a adaptar-me na cidade, apresentou-me ao Thomas. - E não só. Foi a pessoa com quem reencontrei o amor depois do Thomas. Uma paixão curta, porém, intensa. Mas isso é algo que nunca tomarei coragem de proferir em voz alta.
- Nunca me tinhas falado disso. Em três anos de terapia nunca me tinhas aprofundado muito sobre a tua história com o Dylan.
- Sim... Não foi especial. - Mentira.
- De certo que não.
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Gravity
RomanceTodos nós precisamos da gravidade para nos mantermos sóbrios daquilo que possa ser irreal.