Um

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Chuto o pneu furado do carro.

Essas coisas só podiamacontecercomigo! Em pleno feriado de Ano Novo, eu estou parado à beira daestrada, à noite indo para a casa dos meus pais, com uma chuvatorrencial caindo sobre minha cabeça, e não apenas um pneu, mas simdois pneus furados.Desgraça pouca é bobagem pra mim. Acho que o Todo Poderoso olhoupra mim hoje e disse: Ah, o Marcelo aguenta!

Quem mandou eu ser o nerd dafamília. Não que eu não saiba trocar um pneu, mas merda! Só temum step no meu carro e mesmo que tivesse dois, como faria a proeza detrocar os pneus nessa escuridão sem fim?

Empurro meus óculos para cimae coloco os triângulos sinalizando que estou aqui parado como umidiota no acostamento. Meu paletó e todo o resto da minha roupasocial estãoencharcados. Decidoentrar no carro e ligar para o reboque. Um homem com a voz roucaatende me saudando com um FelizAno Novo, boa noite. Em que posso ajudar?

Que homem educado, pensei.Coisa difícil hoje em dia, ainda mais os que têm que trabalhar nosferiadosde final de ano rebocando carros no meio da estrada. Enfim, expliqueia ele o que tinha acontecido, disse em qualkm da estrada estava e ele me disse que em menos de vinte minutos aajuda chegaria. Agradeci, desejei boas festas e desliguei.

No banco de trás do carro,tinha duas bolsas com itens pessoais e de higiene. Abri a bolsa comas roupas e retirei uma toalha, uma cueca, uma calça de moletom euma camisa. Retirei a roupa e os sapatos encharcados e coloquei nochão do carro no lado do carona. Sequei-me por completo, vesti acueca e a camisa. Voltei-me para a bolsa novamente e peguei umacaixinha de lenço para secar meus óculos, sem eles eu não enxergoquase nada.

Estava concentrado na tarefaquando levei um susto. Alguém batia na janela do carro. Pulei nobanco e faltei gritar. Meu coração saiu pela boca e caiu noassoalho do carro. Soltei um palavrão.

– Porra! – disse baixo.

O susto foi tanto que demorei aver que se tratava da ajuda que pedi.

– Chegaram rápido – dissepara mim mesmo.

Esperei alguns segundos atéminha respiração normalizar, mas o cara do lado de fora estavaimpaciente, não parava de bater no vidro. Coloquei meus óculos econsegui ver melhor, a pessoa do lado de fora estava com uma capa dechuva negra e um guarda-chuva bem grande, cabiam duas pessoas embaixodele. Ótimo, pensei, não vou me molhar de novo.

Abri a porta do carro e o carase afastou, ficando de lado. Saí e me aproximei ficando embaixo doguarda-chuva gigante, mesmo com o cheiro forte de terra molhada,senti um aroma adocicado, típico de perfume feminino. Olhei comatenção para o rosto por de trás do capuz da capa de chuva e mesurpreendi ao ver um rosto delicado, moreno, maquiado e com umsorriso malicioso nos lábios.

– Ér...Por essa e-eu nãoesperava – empurrei os óculos para cima e fitei os olhos negroscomo a noite que brilhando me encaravam – Boa noite, moça.

Tenho certeza que meu rostoestá vermelho. Sempre fico tímido nas horas mais inapropriadas.

– E que bela noite! – elasorriu mais abertamente e eu sorri sem graça – Você pode, porfavor, segurar esse guarda- chuva? Volto em poucos minutos.

Ela estava tãopróxima, que eu conseguia sentir o ar gelado que ela expirava. E mearrepiei por completo, mesmo sob o calor de seu olhar astuto. Fiqueisem fala e apenas acenei concordando.

A mulherque eu ainda não sabia o nome entregou-me o guarda-chuva e apóspiscar sedutoramente para mim, saiu andando. Foi até a pick-up quededuzi ser dela, ligou o farol e desceu um pneu, o empurrou até omeu carro. Deu um berro.

– Abrao porta-malas!

Coloqueia parte superior do corpo dentrodo carro e apertei o botão que abria o porta-malas. E voltei para olado de fora afim de olhá-la, aproveitando que ela estava longe.

Pegou um objeto grande e outropequeno, que de onde eu estava eu não conseguia discernir, mas comcerteza era um macaco hidráulico e alguma chave dessas que se usampra trocar pneu.

Eu pensei em ajudá-la. PorDeus! Juro que pensei. Contudo a visão daquela mulher sob a chuva,com aquela capa negra e toda eficiente, prendeu a minha atenção detal forma que eu acredito ter ficado de queixo caído com tamanhadestreza e inteligência. Vi como era esguia e rápida ao se abaixare colocar o macaco sob o carro e aos poucos levantar a partetraseira. Trocou o primeiro pneu sob meu olhar atento e fascinado.Como uma mulher conseguia fazer tal proeza tão rápido? Tenhocerteza que ela faz isso melhor do que qualquer homem.

Depois saiu da minha visão.Foi para o outro lado trocar o outro pneu, usando o meu step. Demorouum pouco mais daquele lado, acredito que tenha sido pela poucailuminação, já que a luz dos faróis não conseguia pegar todo olado direito do carro, o qual estava próximo ao mato.

Encostei-mena lateral do meu carro e fiquei olhando para frente. Não enxergavamerda nenhuma, apenas a estrada e mato do outro lado. Fiqueilembrando da despedida que meus alunos do ensino médio fizeram paramim. Dificilmente todos os alunos gostam de química. Quem eu queroenganar? Pouquíssimos, assim como eu, gostam. E eu sempre tenho essedesafio no início de cada ano, fazer com que meus alunos além degostar, entendam a matéria. E graças a Deus, todos os anos, ganhouma festinha de todos.

Entretidocom minhas lembranças, não percebi que ela já havia acabado oserviço e já estava ao meu lado. Perto. Muito perto.

– Oi denovo – ela disse, limpando as mãos em um pano um pouco sujo degraxa.

– Oi –não consegui dizer mais nada.

Nãoconseguia entender como eu, um professor de química formado há 10anos, que dá aulas para adolescentes irritadiços e rebeldes, estavasem palavras perto de uma mulher. Quer dizer, dessa mulher.

– Troqueiseus pneus, usei seu step para a troca de um. O valor é esse –estendeu um papel em minha direção, que por sorte não molhou porestarmos debaixo do guarda-chuva.

Ela meolhou de cima a baixo e riu. Não entendi onde estava a graça, mascomo fiquei sem saber o que dizer, permaneci quieto.

– Vocêé uma gracinha – ela disse e eu, por incrível que pareça,ruborizei – Fica mais ainda quando está com as bochechasvermelhas. Vai pagar com dinheiroou cartão?

– Oi? – estava meio aéreodepois dos elogios – Ah sim, dinheiro.

– Tudo bem – ela riu eapontou para dentro do carro – acho melhor pegar sua calça paraisso.

Fiquei sem entender até quevirei para o carro e vi minha calça de moletom em cima do banco docarona e minha carteira no painel. Pela segunda vez nessa noite, meucoração saiu pela boca. Porém dessa vez ele estava jogado naestrada.




DIGAM-ME O QUE ACHARAM? GOSTARAM DO MARCELO? E DA JOANA?

AMANHÃ TEM MAIS UM... A NÃO SER QUE VOCÊS ME AJUDEM A DIVULGAR MUITO! AÍ EU VOLTO HOJE COM MAIS UM CAPÍTULO! BJKS

Como encontrei você - conto 1Onde histórias criam vida. Descubra agora