Lobo

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As manchas no teto estavam, cada vez mais, confusas, não consegui discernir nenhuma imagem desta vez, talvez, porque não estivesse tão interessado, como nas outras vezes, talvez, porque a minha cabeça estivesse, totalmente, preenchida por Kevin. Já não estava tão confuso como antes, porém, continuava, igualmente, aflito.

Ontem, no parque, Kevin e eu, quase nos beijamos, significa que ele também deve gostar de mim? É o que me parece, ou será, que eu estou ficando louco? Será que eu fui o único a tentar beijar e ele, sem entender nada, ficou parado, aguardando-me efetivar o meu propósito? Se for isso, com certeza, eu me mataria! Saímos da roda gigante e ele ficou, boa parte da viagem de volta, calado, parecia juntar os fatos. Mas não posso estar ficando louco, Kevin também pretendia beijar-me, tenho certeza que sim.

Sentia uma vontade infinita de ficar junto dele, que não cabia dentro de mim, parecia que ia explodir, de tanto o meu coração bombear sangue, desesperadamente. Pensava em seus olhos negros, que penetravam a minha carne e me roubava os sentidos. Feito um cogumelo, que se apresenta suculento à sua vítima, escondendo todo o veneno que satisfaz os anseios, o qual, parece ser o mais saboroso dos alimentos, capaz de revelar prazeres arrebatadores, implorando à sua vítima que lhe dê uma mordida fatal. Quando eu o olhava, fixamente, não conseguia desviar o olhar, estava confinado numa prisão, que, ao mesmo tempo, me torturava e fazia-me pedir mais, como uma presa, que implora ao predador que lhe mate.

Kevin não saía de minha cabeça, realmente, eu nunca sentira algo tão forte por alguém. Penso que não seja pelo fato de Kevin ser o meu primeiro amor - na verdade nunca acreditei que o amor fosse tão forte assim. Meu corpo parecia meio anestesiado, uma vontade enorme de correr para os braços dele me escravizava, resolvi levantar. Michael dormia, profundamente, parecia uma criança que cai no sono, após mamar o leite quente que lhe dá vida.

O relógio marcava pouco mais que cinco horas. Olhei pela porta de vidro, uma névoa branca, feito neve, se formara lá fora, impedindo que a luz chegasse à varanda na sua totalidade. Levantei, sonolento, mal dormira aquela noite, vez ou outra, acordava e ficava a pensar em Kevin, no que acontecera ontem e nas conclusões que eu chegara, talvez, por isso, não tivera sonhos esta noite. O quarto estava escuro, saí arrastando os pés em direção à varanda. Ao abrir a porta, um pouco de nuvem entrou no quarto e se dissolveu com o ar quente do dormitório. A névoa estava pesada, quase não consegui enxergar o sofá, a rua estava imperceptível. Agasalhei-me melhor, por causa do frio. Apenas era possível ver parte do telhado de algumas casas pela rua.

Aos poucos, como que de propósito, a névoa foi ficando mais clara e eu pude ver no céu uma lua cheia, enorme, que percorria, misteriosamente, o seu percurso em direção à floresta, onde queria esconder-se. Já era possível ver a rua e parte das casas. Comecei a sentir um tédio enorme, não queria ficar parado, sem fazer nada, precisava me movimentar. A ideia de ficar todo o domingo sem fazer nada de especial, ou pior, sem ver Kevin, era detestável. Olhei para dentro do quarto, Michael dormia, tranquilamente, o sono dos inocentes, porém, eu, não queria voltar para a cama e tentar dormir, certamente, não seria possível. Precisava ocupar minha mente, pois a vontade de ver Kevin me machucava. Sem ter o que fazer, resolvi voltar para dentro do quarto, caminhei, na ponta dos pés, até a cama de Michael, sentei e fiquei observando-o dormir.

- Será que você vai continuar me amando? – suspirei, cuidadosamente, para não acordá-lo – Ainda vai me chamar de irmão? – minha mão deslizava, levemente, em seus cabelos.

Um desespero começou a apoderar-se de mim, não sei ao certo, se irei contar à Michael sobre os meus sentimentos, tinha um medo enorme de perdê-lo, dele ter ódio de mim. Cheguei a decidir que não contaria, todavia, lembrei-me da promessa que eu fizera, teria que contar-lhe, ainda que ele tivesse nojo de mim – isso, realmente, era doloroso. Apesar do turbilhão de emoções, nenhuma lágrima desceu. Bem, eu, de certo, lhe contaria, mas não agora, acho que precisava de um pouco de tempo, para, quem sabe, encontrar a melhor maneira de dizer-lhe. Primeiro, vou deixar que a minha situação com Kevin se resolva; que tudo fique claro entre nós, quem sabe, se tudo não passar de ilusão, eu nem precise contar a Michael.

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⏰ Última atualização: Jan 17, 2017 ⏰

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