Um grosso jato de sangue atingiu a porta do quarto e encharcou meu jaleco. Lúcio convulsionou por um ou dois segundos, e caiu de um modo desconfortável sobre a cama, escorregando em seguida para o chão. Entrei em pânico, mas meus instintos me impediram de gritar por ajuda. E então cometi uma enorme sequência de erros: arranquei minha caneta de seu pescoço, enxuguei o sangue desesperadamente na barra da camisa, tentei estancar o sangue com as mãos... e do nada o ferimento se fechou! O corpo do paciente deu um espasmo, e seus olhos, que ficaram pálidos e sem vida, começaram a piscar e lacrimejar. Ele se ergueu e se sentou de volta na cama, no mesmo lugar, como se nada tivesse acontecido! No mesmo instante, todo o líquido vermelho viscoso que se espalhara pelo cômodo pareceu emitir uma fraca luz dourada, e lentamente desapareceu.
_ E... voltamos - disse Lúcio, num tom calmo, decepcionado - Só por hoje, ainda vivo.
O sangue gelou em minhas veias. Aquilo era... surreal. O impossível feito possível. Uma tontura súbita bambeou minhas pernas, fazendo com que me apoiasse contra a porta metálica do quarto.
_ Você... está VIVO? - minha voz saiu trêmula e quase sussurrada.
_ Como eu disse, Doutor: eu não posso morrer. Fui condenado a vagar entre os mortais, obrigado a suportar suas falhas e mesquinharias.
O paciente calmamente recolocou os fones em seus ouvidos, reiniciando o aparelho de som. Por um breve instante de silêncio, pude ouvir a voz de Freddie Mercury escapar abafada dos ouvidos daquele... ser.
_ Eu fico faminto sempre que tento morrer. O senhor se importa se eu me alimentar?
Apenas movi a cabeça, negativamente. Gotas de suor gélido escorriam da minha testa.
_ Helena tem razão. Essa é a música humana que mais se aproxima do coro celestial. Dá pro gasto.
Saí às pressas do quarto 302, trancando a porta atrás de mim; fui até o banheiro do andar, e joguei uma boa porção de água gelada da torneira em meu rosto, esfregando as mãos em meus olhos com força. O que eu havia visto era impensável. Olhei para o relógio: marcava pouco mais de quatro e meia da manhã; em poucas horas encerraria meu plantão. "Calma, Júlio" - pensei, tentando recobrar a sanidade - "você só está cansado; esses dias sem dormir direito, obcecado com esse paciente... devo ter cochilado e imaginado coisas".
Saindo do lavatório, encarei a entrada daquele quarto. Fechei os olhos e respirei fundo, procurando a coragem que havia me abandonado. Caminhei, trêmulo, pé ante pé, até a escotilha aberta na porta, e dirigi novamente o olhar para o interior do cômodo. Lá estava o desenho impecável de Helena, com seu cabelo vermelho escrito; no canto daquele limitado vidro, um suave brilho azul do led do MP3, e apenas as pernas do paciente perpendicularmente dispostas sobre a cama eram visíveis, como se nunca tivesse saído daquela posição recostada na parede. Lentamente fechei a portinhola, recolocando o pequeno ferrolho no lugar, e desci, ainda abalado, os dois lances de escada, retornando à sala de medicação escorando-me nas paredes dos corredores da enfermaria.
_ Doutor Júlio, está tudo bem? - havia um misto de preocupação e surpresa na voz de Toninha - Você está tremendo!
_ Acho que estou com um pouco de hipoglicemia - menti - Devo ter apagado durante a ronda.
_ Vamos, beba um gole de café - a enfermeira-chefe me ofereceu a xícara que estava usando, enquanto revirava a pequena despensa dos funcionários, um armário pequeno colocado abaixo da bancada onde fazíamos as evoluções de prontuário, em busca de um último pedaço de pão de queijo trazido na véspera.
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Paciente 302
General FictionUm psiquiatra retorna ao hospital em que se especializou vários anos antes, e se depara com um paciente único, com privilégios inexplicáveis; vários médicos desistiram da carreira ao atender o estranho doente, e até mesmo a residência em psiquiatri...