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          Seis meses se passaram desde o suicídio do Doutor Saldanha. Os eventos daqueles dias deixaram marcas em todos. A psiquiatria do Mandaqui fora toda reformada e o serviço fora terceirizado pelo governo do estado. Toninha finalmente decidiu se aposentar; quanto aos demais, acho que foram incorporados como funcionários da empresa terceirizada. Já eu abandonei a Medicina. Desisti de tudo, e voltei para Taubaté, minha pequena cidade no interior de São Paulo, a terra de Monteiro Lobato - e de bizarrices que povoam memes da Internet. 

          Acho que, inspirado pelo famoso escritor taubateano, decidi me dedicar a um velho hobbie que tenho desde criança, e me lancei como cronista do jornal local. Até que ganho uns trocados enquanto me divirto contando os "causos" que povoam a fauna local e a minha imaginação. Voltei a estudar, agora Jornalismo. Talvez até me dedique à nova profissão. Mas eu adquiri uma mania estranha: mesmo com toda a modernidade, não consigo escrever sem ser à mão, com uma bela pena branca de condor e tinta. Acho que me dá sorte.

          No entanto, eu lhes conto essa história não como uma das bizarrices do folclore local ou como "história de pescador". Mas às vezes eu ainda ouço nas noites quentes de verão uma voz doce, aveludada, quase angelical. E quando a lua cheia envolve a escuridão com seu luar, ainda vejo a sombra de um casal apaixonado bailando no céu, envolto em grandes asas brancas de condor.    

          Ainda tenho o MP3 do paciente 302. Por muito tempo ele tocava infinitamente a mesma música do Queen. No entanto, enquanto escrevo essas linhas, o pequeno aparelho de som mudou seu repertório por conta própria, sem qualquer interferência externa; olho para a lua cheia que se ergue no céu, e tenho a nítida impressão de ver um casal dançando em meio às nuvens; a voz de Helena acompanha Freddie Mercury cantando a última canção da banda inglesa, "The Show Must Go On".

          Em meio aos solfejos harmoniosos, ouço a voz de Lúcio e Helena sussurrarem em meus ouvidos, agora e sempre:

         "Obrigado".

Paciente 302Onde histórias criam vida. Descubra agora