Quanta gente havia marcado encontro de noite no mesmo bosque... com certeza, todos estavam imaginando que o lugar era calmo e sossegado, inteiramente deserto... Doce engano...
Há muitas e muitas coisas misteriosas que as pessoas não conseguem ver nas florestas, principalmente nas noites de verão... dizem que, por entre as árvores, movimentam-se inúmeros seres... leves e esvoaçantes: fadas pequeninas e coloridas, elfos velozes, duendes brincalhões...
Era o que estava acontecendo naquela noite, naquele bosque. Um desses seres invisíveis era Puck, um minúsculo elfo de orelhas pontudas e expressão zombeteira, sempre disposto a pregar peças em alguém. Fazia parte do cortejo de Oberon, o rei dos elfos.
Nessa noite, ele andava alegre pelo bosque, na certa voltando de alguma boa travessura como as que gostava de fazer -travessuras sem grande maldade, é preciso que se reconheça, tanto que às vezes o chamavam também de Beto Bom-sujeito ou Robin Camarada. Vinha sorridente e saltitante, talvez lembrando-se de como tinha trançado a crina de um cavalo forte e bem nutrido, ou roubado a torta de maçã que uma velha senhora havia posto numa janela para esfriar...
Mas as divertidas lembranças de Puck foram na certa interrompidas quando ele se encontrou com uma fadinha esvoaçante e transparente que fazia parte da comitiva de Titânia, mulher de Oberon, rainha das fadas. Puck perguntou a ela:
- Por onde você tem andado ?
Com voz suave, a pequenina fada respondeu:
- Por colinas e vales, através de arbustos e flores, por parques e alamedas, pelo meio da água e do fogo... Tenho andado por toda parte, mais leve e ligeira do que a luz da Lua. Trabalho para a rainha das fadas. Faço a grama ficar mais verde; a água do lago, mais azul; e coloco um perfume diferente em cada flor... Agora desculpe-me, companheiro, preciso ir buscar umas gotas de orvalho para derramar sobre as pétalas daqueles lírios... Nossa rainha e todas as outras fadas já devem estar chegando...
Ouvindo isso, Puck deu-lhe um conselho:
- Também o rei dos elfos virá aqui hoje à noite.... Avise a rainha para que não o atrapalhe... Oberon está furioso com ela, por causa daquele novo pajem que ela arrumou, o filho do rei da Índia. Ele queria que o menino pertencesse ao seu cortejo, para ensinar-lhe os segredos do bosque selvagem.
A fadinha sabia do desejo de Oberon. Sabia também que Oberon e Titânia disputavam há tempo a posse do garoto. Era por isso que estava tão tensa a situação entre o rei dos elfos e a rainha das fadas: eles agora já não se encontravam mais em lugar algum -fosse em gruta ou campina, junto à clara fonte ou sob o céu cheio de estrelas- sem que saíssem brigas horríveis. Os elfos e fadas, com medo, escondiam-se assustados dentro das cascas de nozes, sob as pétalas das flores ou dentro dos troncos ocos das árvores...
Não houve tempo, no entanto, para a fada avisar ninguém: justamente nesse momento, Oberon e Titânia tinham acabado de chegar à clareira. Vinham cada um de um lado do bosque, com suas imensas comitivas de duendes, elfos e fadas, todos vestidos de musgo, folhas, pétalas e frutos, esvoaçando com suas asas mais finas do que as das borboletas e libélulas.
- Mas que péssimo encontro! -reclamou Oberon.
- Que azar encontrar esse invejoso! Fadas, vamos embora! -ordenou Titânia.- Não quero saber desse senhor. Não fico nem mais um minuto na sua companhia...
- O que é isso, Titânia ? Então esqueceu que sou seu marido?
A resposta de Titânia foi rápida:
- Não, infelizmente não esqueci... E sei muito bem que você costuma sair de casa disfarçado para poder namorar outras mulheres. Pensa que me engana? Agora mesmo, por que você está aqui? Por que voltou de sua viagem à Índia tão rapidamente! Garanto que é por causa da rainha das amazonas, que vai se casar com Teseu... Você andou apaixonado por ela, lembra-se?
Era um festival de ciúmes... Oberon e Titânia pareciam um casal comum, de pessoas simples da aldeia, e não uma dupla que possuíam tantos poderes de encantamento... Bastou Titânia falar em Teseu, para Oberon aproveitar o pretexto e contra-atacar:
- Você não tem vergonha de vir jogar na minha cara meu envolvimento com Hipólita, quando estou cansado de saber de seu amor por Teseu?
E Oberon passou a lembrar as várias ocasiões em que Titânia protegera Teseu. Porém a rainha respondia que seu amor pelo herói era pura invenção do ciúme de Oberon. E concluiu:
- Não aguento mais! Você passou todo esse final de primavera me perseguindo. Com isso, alterava as estações, atrapalhando a vidas das pessoas... Toda vez que eu estava em paz com minhas fadas, em algum lugar, você vinha perturbar-nos com suas gritarias. Por isso, os ventos sopraram mais forte, o mar agitou-se, as nuvens aglomeraram-se, e a chuva caiu fina e constante. Resultado: Os rios transbordaram por toda parte. Não adiantou, por tanto, o boi trabalhar e o lavrador suar: Com a umidade, o trigo verde apodreceu antes de criar barba e o gado nos currais está doente, pois os campos alagados não oferecem pastagens! Todos esses males aconteceram por causa de nossas brigas. Foi muita maldade sua, Oberon. Mas agora chega!
- É muito fácil dar um fim a tudo isso -respondeu o rei-, só depende de você. Por que gosta tanto de me contrariar, Titânia? Só lhe peço uma coisa: Quero aquele rapazinho indiano para meu pajem... Você sabe de quem estou falando...
Titânia queria acabar logo com a discussão, entretanto não estava disposta a ceder. Explicou que nem todo o reino dos elfos seriam suficiente para comprar seu protegido: a mãe dele, uma grande amiga sua, tinha trabalhado para ela e depois se casado com o rei da Índia. Morrera justamente com o nascimento do menino.
- É por causa dessa minha amiga que educo o menino. Por isso, não vou me separar dele de jeito nenhum -concluiu Titânia. - Ficarei nesse bosque até depois do casamento de Teseu. Se você quiser, sem discussões vir dançar conosco e participar de nossas brincadeiras ao luar, venha. Se não, suma, que eu também evitarei os lugares onde você estiver.
Oberon insistiu ainda uma vez para que Titânia lhe desse o menino. Como a resposta fosse negativa, o rei dos elfos ficou furioso e resolveu vingar-se. Para tanto, chamou seu fiel servidor:
- Puck! Você se lembra daquela noite em que estávamos sentados no bosque de pinheiro e as estrelas desciam do céu e pousavam nos galhos das árvores para enfeita-las como velas acesas?
- Claro, senhor.
- Então, naquela noite eu vi uma coisa que você não viu. Junto com as estrelas, desceu do céu também Cupido, voando com suas armas em direção à Terra. Ele soltou uma afiada flecha amorosa de seu arco, mirando uma sacerdotisa que meditava no templo erguido entre as árvores. Mas Cupido errou sua pontaria, e a flecha, em chamas, foi parar no campo que se estendia além da floresta, acertando uma florzinha branca como o leite. Imediatamente, a flor ficou roxa, ferida pelo Amor. Pois bem, essa flor, conhecida como amor-perfeito, dá um suco que, se for pingado nos olhos de alguém que esteja dormindo, faz essa pessoa se apaixonar perdidamente pelo primeiro ser vivo que encontrar ao abrir os olhos. Olhe, Puck, quero que você me traga imediatamente essa flor! Eu já a mostrei a você uma vez, lembra-se?
Puck saiu como um raio para cumprir as ordens de seu senhor. Dizia ser tão rápido que podia dar a volta ao mundo em quarenta minutos... Num instante estaria de volta.
Enquanto não vinha, Oberon já estava rindo antecipadamente por conta de seu plano: no momento em que Titânia adormecesse, ele pingaria em seus olhos o tal suco e colocaria perto dela um bicho qualquer. Ao acordar, ela se apaixonaria perdidamente pelo bicho. E o rei dos elfos estava tão empolgado com sua ideia que chegou a pensar em voz alta:
- E, ates que eu liberte seus olhos do encantamento, coisa que eu posso fazer facilmente com uma outra erva, vou obrigá-la a entregar-me o pajem...
Mas algo inesperado iria acontecer, interferindo em seus planos... E Oberon nem imaginava o que era... No momento, só sabia que alguém se aproximava daquela clareira deserta no meio da floresta, porque começava a ouvir passos e vozes. Curioso, escondeu-se para observar melhor.
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Sonho de uma noite de verão (escrevendo)
HumorPara compor está comédia, Shakespeare usou alguns elementos dá mitologia grega. O herói grego Teseu prepara-se para casar-se com Hipólita, a rainha das amazonas. Egeu, um velho ateniense que prometera sua filha Hérmia em casamento aí jovem Demétrio...