Capítulo 5

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          Quem se aproximava da clareira era um jovem casal. Seriam namorados? Era natural que um par de namorados marcasse encontro à noite, no bosque. Só que aqueles dois não eram namorados, por mais que a moça assim o desejasse... Sim, eram Helena e Demétrio que se aproximavam! E vinham discutindo:

          - Pare de ficar andando atrás de mim, Helena! Que coisa desagradável! E onde estão Lisandro e a minha querida Hérmia? Você não disse que eles estariam aqui?

          Zangado, o rapaz procurava sua noiva por todo canto, mas não a encontrava. Desde que Helena lhe contara os planos de fuga dos dois, resolvera surpreendê-los no bosque, Entretanto não conseguia livrar-se de Helena, que o seguia como se fosse sua sombra:

          - Suma! Saia de perto de mim!

          - Não consigo, Demétrio. Você me atrai como se fosse um imã, de ferro. Pode gritar, mandar-me embora, ou me tratar como um cão... Só peço que me deixe ser mesmo como um cachorrinho, seguindo você por toda parte.

          - Mas o que é isso, Helena? Você está louca? Eu fico doente só de olhar para você... -respondeu Demétrio.

          Nada porém adiantava. Helena não o deixava. Então Demétrio mudou de argumento:

          - Volte para Atenas. É perigoso para uma moça ficar sozinha no bosque, ainda mais à noite.

          - Não estou sozinha, você está comigo. E onde está você, está o mundo inteiro. Além disso, não é noite, porque, quando contemplo seu rosto, vejo a luz do sol.

          Por mais que Demétrio argumentasse, Helena não desistia. O rapaz passou às ameaças: disse que iria deixá-la sozinha com as feras da floresta... Mas foi pior: Helena replicou que mesmo as feras mais selvagens não tinham um coração tão duro quanto o dele, tão tão indiferente a seu amor. Demétrio decidiu assim cumprir a ameaça e foi embora.

          Bem perto deles, protegido por sua invisibilidade, Oberon aproximou-se mais para ver o que a mola faria. No entanto nem teve muito tempo: Helena saiu correndo por entre as árvores, na direção em que Demétrio tinha desaparecido, exclamando:

          - Vou seguir você de qualquer jeito. Não lhe darei um momento de sossego! Por mais que você me trate mal e faça da minha vida um inferno, perto de você será sempre um céu pra mim. Se quiser, mate-me, pois morrerei feliz nas mãos de quem tanto amo...

          Oberon ficou comovido com tanto amor. Imediatamente, resolveu ajudá-la: com facilidade, ele faria com que Demétrio se apaixonasse por Helena... Para tanto, só precisava que Puck chegasse com a flor encantada.

          Por falar nisso, Puck está demorando... Dizia sempre que era capaz de tecer uma guirlanda de flores em volta da Terra em quarenta minutos... Ora, onde estava sua rapidez? É verdade que ele gostava de fazer travessuras, mas, quando se tratava de cumprir uma ordem do seu senhor, Oberon não admitia que ele ficasse perdendo tempo pelo caminho, afrouxando as peças do moinho ou enganando os viajantes cansados, para que perdessem o rumo certo. E também não gostava de que ele se desviasse para atender e ajudar aos que o chamavam de meigo Puck ou suave duende...

          Todavia Oberon não precisou se aborrecer. Antes de findar o prazo prometido, o elfo chegou, com seu sorriso maroto e a flor encantada na mão.

          O rei dos elfos pegou o amor-perfeito com cuidado, amassou-o para fazer uma pasta, dele extraindo um suco. Depois falou para Puck:

          - Sei de um lugar lindo onde flores silvestres perfumam o ar e delicadas primaveras e jasmins inclinam seus galhos com a brisa suave. Lá, as madressilvas e as rosinhas bravas entrelaçam-se para formar uma espécie de toldo, sob o qual Titânia gosta de dormir durante parte da noite, quando se cansa das brincadeiras e danças. Vou pingar o suco desta flor nos olhos dela e enchê-la das mais ternas fantasias... Deixe isso por minha conta... Mas tenho também uma tarefa para você: pegue um pouco desse caldo e procure pelo bosque uma bela dama ateniense que anda apaixonada por um rapaz que não quer saber dela. Quero que você pingue este líquido nos olhos dele de tal modo que a jovem seja o primeiro ser que ele veja ao despertar. É fácil reconhecer o rapaz, por suas roupas típicas de Atenas. Faça tudo com muito cuidado, Puck: quero que ele fique mais apaixonado por ela do que ela por ele... Depois, venha encontrar-me quando o galo cantar pela primeira vez.

          Então, Oberon despediu-se de Puck e saiu de baixo de sua árvore favorita, duplamente feliz: iria dar uma lição em Titânia; depois disso, com certeza, conseguiria o pajem que tanto desejava. Além do mais, aproveitaria a oportunidade para praticar uma boa ação: ajudaria uma moça bonita a ser feliz. E tudo sem fazer mal a ninguém: o próprio Demétrio só poderia lhe agradecer por se apaixonar por uma moça tão bela quanto Helena.

          Pensando em todas essas coisas, Oberon atravessou o bosque e se aproximou do local onde encontraria Titânia. Passou sob muitas árvores antigas, com seus troncos grossos e enrugados e seus galhos frondosos, que convidavam esquilos e passarinhos a neles fazerem os ninhos. Era muito agradável andar pelo bosque, mesmo para quem, como Oberon, podia voar ou desaparecer num certo ponto para em seguida surgir em outro. As folhas secas, caídas, formavam uma espécie de tapete macio sob as árvores. Nas clareiras, a relva suave cintilava nos pontos iluminados pelo luar. Oberon gostava de caminhar à noite pela floresta. Distinguia no escuro os caules esguios e claros dos pinheiros, afastava com a mão os galhos mais baixos dos arbustos, reconhecia um castanheiro aqui, ouvia um rouxinol cantar ali, colhia morangos silvestres mais adiante, sentia o cheiro de terra de que perfuma os cogumelos dos mais variados tipos, ou o aroma noturno das flores mais delicadas. Entre todos os bosques sobre os quais reinava, aquele era seguramente seu preferido; conhecia-o como a palma de sua mão. Assim, mesmo numa noite de pouca claridade, já que a lua nova não aparecia no céu, Oberon caminhava sem hesitar, como se estivesse em sua própria casa.

          Quando chegou ao lugar onde Titânia gostava de descansar, parou por alguns minutos para observar uma linda cena: uma porção de fadinhas terminava nesse momento de dançar e esvoaçar sob as estrelas. Num canto, outro grupo tecia guirlandas de flores. Voando pelo ar, várias delas levavam pequenas lanternas, que piscavam como vaga-lumes. E todas se preparavam para entoar canções de ninar para Titânia, assim que acabassem de cumprir as ordens que a rainha lhes dava:

          - Limpem o terreno para que eu possa me deitar! Não quero inseto algum passeando por perto! Avisem os camaleões, lagartos e serpentes para não se aproximarem daqui! Eu quero dormir! Peçam à coruja para piar em outro canto! Depois, cantem para que eu adormeça. E, enquanto descanço, quero vocês todas trabalhando: as fadas azuis devem matar os vermes que ameaçam as rosinhas perfumadas; as fadas verdes devem guerrear contra os morcegos para arrancar-lhes o couro das asas... Há vários elfos precisando de casacos novos... Boa noite!

          Ecoou então na floresta uma suave cantiga de ninar, entoada por um coral de fadas: era a música mais delicada e repousante que poderia haver. Ao ouvi-la, qualquer um fecharia os olhos, relaxando os músculos, respirando fundo, encostando a cabeça, entando enfim no país dos sonhos. Mesmo Titânia, a rainha das fadas, não fugia a essa bosque de magia... E até o próprio Oberon, escondido ali perto, começou a bocejar. Mas, como ainda tinha algo muito importante a fazer, concentrou-se em seu plano: esperou Titânia, espremeu o suco da flor encantada em seus olhos e declamou alguns versos mágicos: 

                    - O que vir ao acordar

                    Por grande amor vai tornar.

                    Urso, lobo, onça, preá,

                    Seu namorado será...

                    Durma agora, é noite escura.

                    Espere que a brisa pura

                    Lhe traga uma criatura...

          Depois saiu para descansar em outra parte. Agora era só esperar pelo efeito de sua mágica... 

Sonho de uma noite de verão (escrevendo)Onde histórias criam vida. Descubra agora