Assim que Oberon se afastou, chegou ao bosque um casal, visivelmente exausto: eram Hérmia e Lisandro, que, em sua fuga, andavam já há algumas horas. Ao encontrarem aquela clareira perfumada, de solo macio, pararam um pouco para descansar, Lisandro aconselhou sua amada:
- Acho melhor deitarmos um pouco e esperarmos o amanhecer. Está muito escuro. Não vamos conseguir enxergar nada... e devo confessar-lhe uma coisa, Hérmia: estou meio perdido, não poderei encontrar o caminho na escuridão da noite...
- Não faz mal, meu amor. Acho boa a ideia de dormirmos um pouco. Estas folhas cobertas de musgo estão bem macias. Vamos repousar aqui mesmo.
Lisandro concordo:
- Você tem razão, querida. Vou deitar-me ali daquele lado, onde a grama está mais crescida. Boa noite! Durma bem!
Cansados, adormeceram num instante, em lados opostos da clareira. Nenhum deles tinha, no entanto, percebido a presença de Titânia, deitada atrás das trepadeiras silvestres, debaixo de seu toldo de flores. As plantas a escondiam tão bem que nem o travesso Puck, que chegou logo em seguida, a viu. Reparou apenas no casal e exclamou:
- Até que enfim! Procurei pela floresta inteira! Já ia desistir... Pensei que o jovem ateniense tivesse ido embora e eu não fosse conseguir cumprir a ordem de Oberon. Finalmente, aqui está ele, adormecido, com sua roupa de ateniense... Ah! E ali está a moça! Coitadinha, está dormindo no chão... Ele a deve ter desprezado tanto que a pobrezinha não teve coragem de deitar-se ao seu lado... Preferiu ficar um pouco mais distante... Mas isso vai mudar... Vou dar um jeito já, já...
Dessa vez, o levado Puck não teve culpa alguma na travessura. Muitas vezes ele se divertia armando trapalhadas, pregando peças nos outros, fazendo as coisas darem errado: estragava a manteiga, fermentava a cerveja, empurrava para trás o banquinho onde alguém ia se sentar... e depois ficava dando gargalhadas do tombo...
Agora, entretanto, ele não estava fazendo de propósito: Oberon só tinha mencionado que se tratava de um jovem ateniense. E ele encontrou Lisandro adormecido. Ora, o engano era natural... Puck não teve dúvidas: leve como a brisa, aproximou-se de Lisandro e murmurou:
- Em seus olho jogo agora
Todo o encanto desta flor.
Nunca mais o amor consinta
Que seu olhar sono sinta.
Desperte, já vou embora,
Acorde quando eu me for.
Dizendo isso, pingou cuidadosamente algumas gotas do sumo mágico nos olhos de Lisandro. E logo foi embora. Se tivesse saído pelo outro lado, teria esbarrado em Demétrio e Helena, que, nesse exato momento, vinham chegando à clareira, ainda na mesma situação de antes - ela o perseguia e ele a mandava embora. Talvez por perceber vagamente a presença de mais alguém naquele lugar, ou então só por cansaço, ao entrar na clareira, Helena hesitou ligeiramente: foi o suficiente para que Demétrio conseguisse fugir da sua vista, correndo pelo meio das árvores.
A jovem sentiu-se perdida no escuro, sozinha e exausta: quanto mais pedia e suplicava o amor de Demétrio, menos o obtinha. E sentia ciúme de Hérmia: dois homens estavam apaixonados por ela... com o coração cheio de dor, assustada e aflita, a pobre Helena andava de um lado para o outro na clareira, sem saber o que fazer. De repente, esbarrou em algo que estava no chão e levou um susto horrível. Abaixou-se para ver mais de perto: era uma pessoa deitada. Apesar da escuridão, Helena conseguiu reconhecê-lo:
- Lisandro! Acorde! - exclamou Helena, sacudindo o corpo do rapaz. - Vamos, levante! Ai, meu Deus, que será que aconteceu? Será que ele está ferido? Será que alguém o atacou?
Aflitíssima, Helena levantou-o pelos ombros, procurando ver se havia algum sinal de sangue em sua roupa ou algum ferimento no rosto. O rapaz abriu os olhos e a viu.
A flor encantada fez efeito no mesmo instante:
- Helena, doce Helena! Que felicidade ter diante de meus olhos a maravilhosa visão de seu rosto! Você é a mulher mais perfeita do mundo! Sou capaz de atirar-me ao fogo por seu amor! Onde está Demétrio? Vou liquidá-lo na ponta da minha espada...
Helena não entendeu muito bem as primeiras palavras de Lisandro, mas ficou com medo das últimas:
- Não, Lisandro, por favor, não faça mal a ele... Eu sei que ele ama a sua Hérmia, mas não ligue... Ela ama você, isso é que importa! Você deveria ficar contente...
-Contente com Hérmia? Nada disso. Eu me arrependo de cada minuto que passei com ela... não gosto de Hérmia... Eu amo você, Helena! Só agora consigo enxergar a verdade... Tudo vem a seu tempo. Eu estava cego... Mas já posso ler em seus olhos as mais lindas histórias de amor que viveremos juntos...
Espantada com aquelas palavras, Helena achou que, Lisandro estava zombando dela, inventando uma brincadeira sem graça e cruel:
- Não faça isso comigo, Lisandro! Por que quer me ridicularizar? Já não basta o desprezo de Demétrio? Olhe, Lisandro, você está me ofendendo, me humilhando... Pensei que fosse um cavalheiro, que tivesse mais educação e cortesia!
Chorando, Helena saiu correndo da clareira. E nem viu Hérmia, que, indiferente a tudo, continuava dormindo. Lisandro seguiu-a imediatamente.
Poucos minutos depois, Hérmia acordou assutada por um pesadelo: tinha a impressão de que sobre ela estava um bicho enorme que ia devorá-la... Então gritou:
-Lisandro, socorro! Socorro! Ajude-me a tirar este bicho daqui!
Aos poucos, sem que ninguém lhe respondesse, Hérmia foi se acalmando. Percebeu que tinha sido apenas um mau sonho. Levantou-se então para acordar Lisandro.
Mas Hérmia viu logo que o rapaz já não estava ali. Por mais que o chamasse, ninguém atendia. Ficou apavorada: logo imaginou que alguma coisa terrível deveria acontecido com Lisandro. Sabia muito bem que jamais ele a deixaria só na floresta. Desesperada, embrenhou-se por entre as árvores, em busca do rapaz.
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Sonho de uma noite de verão (escrevendo)
HumorPara compor está comédia, Shakespeare usou alguns elementos dá mitologia grega. O herói grego Teseu prepara-se para casar-se com Hipólita, a rainha das amazonas. Egeu, um velho ateniense que prometera sua filha Hérmia em casamento aí jovem Demétrio...