Era realmente possível.
Mamãe... sem dúvida alguma aquela era a minha mãe.
Queria virar-me e olhar nos seus olhos, correr e aconchegar-me em seu abraço, saber se seu corpo ainda cheirava a rosas. Desejava virar-me e notar se os traços em seu rosto se assemelham aos meus, se o rosto à minha frente continuava igual ao que ilustrava minhas lembranças. Mas não, não consegui fazer nada disso.
Contra gosto, permaneci parada. O silêncio dominou o quarto.
Queria gritar, pular no seu colo como um verdadeiro bebê, recuperar todo o tempo perdido, mas nessa altura do campeonato, nem minha voz, nem meu corpo me pertenciam. Talvez pelo medo ou remorso ou talvez porque sabia que não iria aguentar virar-me e ver algo que não queria... Mas o que esperava ver?Não sabia, e é essa sensação de ignorância que tanto me angustia. Queria vê-la, mas não queria olhar para ela, queria saber o porque das suas decisões, mas talvez a verdade me machuque, afinal não estamos em um conto de fadas e ela não me deixou com o intuito de cantar para passarinhos numa janela, como se essa desculpa fosse válida.
Após alguns segundos onde meu corpo tremia como uma vara numa ventania e onde quase vomitei meu coração juntamente das entranhas, pude ver pelo vidro dos retratos restantes que ela estava se aproximando, de uma forma lenta, como se eu fosse um animal selvagem que precisa ser domado.
Sei que me fazer sentir um animal não era sua intenção, longe disso, provavelmente não queria assustar-me, ela, e muito menos eu, sabia como reagiria . Mas a maneira que a madeira soava diante do toque dos seus pés era apavorante, fechei os olhos, não sabia o que fazer e como meu próprio corpo reagiria.
Mas ela sim. Fez o que fazia quando eu cobria-me com a coberta, apavorada pelos violentos trovões: por trás, arrumou meus cabelos embaraçados e me envolveu num caloroso abraço, cortando toda a noção do tempo. Lágrimas quentes escorriam pelo meu rosto, mas na minha incapacidade de pronunciar qualquer palavra, foi ela quem quebrou o silêncio.
– Eu o amava tanto quando os deixei. – disse com uma voz trêmula, algo que nunca tinha ouvido, ou se sim, não me recordava.
Era do papai, era do papai que ela estava falando.
Recuperei memórias amargas da minha infância.
A vida de uma filha única sem a mãe, e principalmente, sem amigos, pode ser um tanto difícil. Me recordo dos malditos eventos escolares onde as famílias se divertiam com seus filhos, onde pais e mães gargalhavam, demonstrando a imensidão da sua felicidade. Eu assistia de longe, muitas vezes sentada sozinha num banquinho comendo uma pipoca, já que no meu caso, eram raras as vezes que meu pai podia comparecer, e quando comparecia, não ficava mais de vinte minutos, sempre olhando no relógio, mas sei que não o fazia por mal.
Era um ótimo pai, apesar dos apesares: ele me amava. Mesmo não estando fisicamente presente, ele estava comigo. Sentia o calor do seu amor me abraçar, acho que esse é o significado do amor: um abraço eterno que não se rompe, não se corrói, não se desgasta, ele te aquece no frio, te guia na escuridão. É, isso é o amor.
Papai me amava quando retornava à casa tarde da noite, vindo do seu trabalho ou viagem misteriosa, se deitava ao lado do meu corpo sonolento e fazendo-me cafuné chorava baixinho no meu ombro.
Era uma cena torturante, queria dizer que estava tudo bem, abraçá-lo, mas se eu demonstrasse algum sinal de estar desperta, ele não teria onde desabar. Acreditava que eu estava no mais profundo sono e não poderia ouvir suas lamentações, mas eu ouvia, ouvia tudo.
Ouvia quando me pedia perdão por não estar lá, por nunca estar, ouvia quando questionava mamãe sobre sua decisão, repetindo muitas vezes a frases como: "Dária, nós poderíamos dar conta, eu conseguiria lidar, sempre demos nosso jeitinho.".
Dária, o nome da minha mãe. Mesmo o ouvindo em meio aos prantos do meu pai, sentia uma felicidade em ouvi-lo, em saber que eu tinha uma mãe, tinha uma mãe como todas aquelas outras crianças, uma mãe que um dia me carregou em seus braços e me alimentou com seu próprio leite. Uma mãe que um dia me amou.
Mas a felicidade logo era substituída por remorso, um sentimento até que compreensível, que acompanhava meu coração e me perseguia nas sombras, despedaçando meus momentos e lembranças mais felizes. Sabia que era errado. Ter tal tipo de sentimento pela própria mãe? Pecado. Mas sou feita de carne e esse era apenas mais uns dos meus defeitos.
Como em cena de investigação policial, repetia várias vezes em pensamento tudo o que sabia sobre ela, na esperança de achar alguma coisa nova, ilogicamente... "Mamãe nasceu e cresceu em uma cidadezinha nos arredores de Bran, na Romênia, uma das cinco comunas da região. Fazia parte de uma das famílias mais poderosas do local, com sobrenome Balan - que por acaso também me pertencia - deixou a cidade ainda na adolescência, involuntariamente, devido conflitos (para mim misteriosos) com uma outra família poderosa." Sobre a sua saída, como muitas outras coisas, não tenho uma explicação detalhada, a vida de Dária Balan é um perfeito mistério, até para a sua filha.
A partir de agora estava provavelmente sozinha, não posso confiar em ninguém, muito menos em alguém que não se fez presente durante completos 13 anos. Preciso dar um fim nessa onda de mistérios, antes que ela se alastre à mim. Afinal, por que eu estava ali? Por que ela estava ali?
Tomei posse do meu corpo, limpei o rosto com força e dei um passo á frente, saindo do abraço: alguém me devia explicações.
– Precisamos conversar. – disse arrojada, ainda sem virar-me.
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Lúcifer - Marcados pelo Sangue
ParanormalAos olhares alheios, Lúcifer era uma garota normal, talvez um pouco mais pálida que as garotas de sua idade ou até dona de uma aparência estranha, que mais gosto de categorizar como exótica. Vinda de uma família não exatamente exemplar, receb...