Meu cérebro esboçava respostas inteligentes, coisa que não era capaz de gerar automaticamente em situações de nervosismo, certamente como esta.Recordo-me de um acontecimento no primário, quando tive que apresentar um trabalho na frente de toda a sala, a memória é bem vaga, creio que devido à minha capacidade de bloquear acontecimentos trágicos, mas há uma certeza: não foram ditas nem duas palavras antes que eu saísse da sala chorando, sem rumo algum. Me encontraram dentre as árvore de uma mata próxima à escola, ainda chorando e deitada em posição fetal na terra, depois de algumas horas.
Minhas respostas precisavam ser firmes, mostrando minhas vontades e indignação acima de tudo, mostrar tudo o que eu quero, tudo o que eu preciso.
Querer e precisar: duas coisas divergentes, e ao mesmo tempo, convergentes. Se quero alguma coisa, e isso me fará feliz, eu a preciso, certo? Afinal devo colocar minha felicidade em primeiro lugar... Mas é correto que minha felicidade se origine disso? Se não, isso deixaria de ser algo que preciso, e por não deixar-me feliz, já não o quero mais. Mas nesse momento, eu realmente não consigo seguir com meu argumento filosófico, espero que você entenda.
Quero a verdade, quero que todas as sílabas pronunciadas pela sua boca venham do coração, mas a verdade me deixaria feliz?
– Conversaremos assim que você melhorar, entendo que precisa de respostas, mas a sua saúde clama mais alto que a sua curiosidade. – disse sem nem um pingo de imprecisão.
Como é possível? Acho que Daria perdeu todos os seus direitos como mãe quando me abandonou, e creio que alguém tem de avisa-la sobre isso.
Mas continuei imóvel, querendo protestar, sou bem grandinha para saber quando preciso repousar, e certamente essa não era a hora.
Sem nenhuma explicação que satisfaça minha mente, ouvi a porta bater e infelizmente, a tranca girar. Algo que fez meu coração se encolher dentro do peito, mas logo lembrei que eu também perdi o direito de sentir-me assim.
Arrastei-me de volta para a cama, a dor na perna estava quase insuportável, e a fazendo passar, encarei o teto até que o sono me fisgasse.
Correndo, sem rumo, sem direção. Num caminho totalmente desconhecido, a terra misturava-se com a água da chuva e tornava-se lama baixo meus pés, os relâmpagos transformavam os galhos secos em braços esguios, que a todo custo buscavam me alcançar. Os trovões que ressoavam, mais pareciam gargalhadas familiares: Mr. Boogie.
Continuei correndo, agora sabendo o motivo para tal ação. As batidas do meu coração machucam meu peito com sua intensidade e parecem tremer o chão, minha roupa, que se prendia em meio aos galhos, encontrava-se rasgada e arranhada, assim como minha pele. A maneira como as árvores se entrelaçavam e fechavam sobre minha cabeça me dava a sensação de estar correndo por um túnel sem fim, onde nenhuma luz era vista no final.
Minha visão periférica captava o rosto do demônio que me assombrava seguindo-me, com seu usual sorriso amarelo. A chuva incessante com os raios me desnorteava de maneira absurda, mas eu não poderia parar de correr, não podia ser pega. Ou será que sim?
Estava cansada de correr, de me esconder, de fugir. As batidas do meu coração não faziam jus ao momento, que decorria em câmera lenta, e aumentavam cada vez mais. Meus tímpanos ameaçavam explodir com o ruído causado pelos raios e por ele, meus gritos de dor e desesperos não podiam ser ouvidos. Apenas por ele.
A que ponto valeria a pena continuar? Eu não via o final, não sabia onde isso iria dar e, acima de tudo, eu estava cansada. Não queria mais lutar.
Abri os olhos, imediatamente me livrando daquela falsa realidade, mas sem compreender a realidade atual. Os três famosos segundos se passaram, e as batidas do meu coração continuavam a soar pelo quarto.
Ainda meio zonza, sentei-me. Levei a mão até o colo do pescoço e senti o calor ardente familiar. Respirei fundo, esperando que as batidas consecutivas parassem antes que eu quebrasse cada coisa naquela cela, ops, quarto.
Um pouco mais lúcida vi a origem do som atordoante, na janela, pedrinhas eram arremessadas contra o vidro. Que merda é essa? Na primeira pisada contra o chão frio pude sentir a dor aguda na perna, mas isso não me impediu de levantar, nada nunca me impedia de conseguir o que queria.
Quanto agarrei a batente da janela -não por opção, se não o fizesse desmoronaria no chão, e duvido muito que alguém fosse me ajudar a levantar- meu coração, novamente, ameaçou dar uma volta por fora do meu corpo.
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Lúcifer - Marcados pelo Sangue
ParanormalAos olhares alheios, Lúcifer era uma garota normal, talvez um pouco mais pálida que as garotas de sua idade ou até dona de uma aparência estranha, que mais gosto de categorizar como exótica. Vinda de uma família não exatamente exemplar, receb...