Meu nome, que por tanto tempo fora alvo de trauma. Motivo de piada e medo na escola, cada chamada era uma tortura. Não importava o país onde era obrigada a ficar: Estados Unidos, África do Sul, Brasil, Japão ou algum lugar pela Europa, meu nome sempre era um tabu, um choque. Todas as crianças me evitavam seguindo o conselho dos pais, eu não podia culpá-los, mas também não faria o mesmo.
Houve uma exceção. Uma menina cujo não lembro nada além da pele tão escura como o anoitecer, sua companhia vaga nas minhas memórias mais antigas. Sei que a conheci em uma das minhas passagens pela Europa, onde morei em muitos países por pouco tempo, mas mesmo dessa manei a, foi o lugar que mais me marcou. Por muitas vezes me questionara se ela realmente existia ou também era fruto da imaginação de uma criança sozinha, eu espero que não, sei que ela foi minha única amiga, e última também, até o dia em que papai e eu fizemos nossas malas e nos mudamos mais uma vez, e eu, fiquei sem explicações, novamente.
Sendo assim, ela não se importou com meu nome, o que nos traz de volta ao problema. Eu sabia muito bem quem era, eu era Luci, aquela que sabia todas as falas decoradas de todos os clássicos da literatura e cinema, pois eles eram minha companhia assegurada de sexta a noite e, por mais que tentasse esconder, sempre chorava ao ver romances, mesmo nunca passando pela minha cabeça que um dia viveria um. Passava minhas tardes reclamando no twitter e devorava macarrão instantâneo na janta, sei que me fortaleci pelo inferno que passava e só eu entendia, todas as vezes que me perguntava como seria se mamãe estivesse aqui e todas as vezes que ele vinha visitar. Essa era eu, certo?
"Lúcifer?", Sallai chamava meu nome de maneira apreensiva, depertando-me das lembranças.
"Como você sabe meu nome e por que estamos aqui, onde quer que seja isso? Me leve de volta!", minha voz saiu num tom mais autoritário do que esbocei, mas gostei de me impor. "Levar você de volta? Você diz, para a fortaleza de Dária ou, enfim, para o outro lugar?", a preocupação em seu rosto e o modo como gaguejou as palavras e dirigiu-se a minha casa como "outro lugar" fez meu estômago revirar, lembrando-me que estava faminta. "Onde estamos? Você conhece minha mãe?", a última parte soou mais como um rugido. "Ah não. Não era parte dos meu deveres ter essa conversa com você. O que ela te disse?", perguntou e endireitou as costas na porta que apoiava.
Não queria responder mais nada. Eu queria respostas, mas estava com medo, estava sozinha mas nesse momento eu era incapaz de me salvar,
como sempre. O camafeu esquentou no meio dos meus pensamentos, mas não mudei minha expressão. Diferentemente dele, que apresentou uma expressão de choque e se aproximou, sentando-se na cama comigo e cravou seus olhos verdes nos meus. "O que você é?", ouvi sua voz na minha cabeça, mas irrealmente sua boca permaneceu imóvel. O que era isso?Desesperada tentei levantar e comecei a me afastar, andando pra trás sem tirar meus olhos dele. Acabei tropeçando e caí, apenas amortecida pelas minhas mãos, que impediram minha cabeça de chocar-se ao chão.
"Você precisa confiar em mim, como você disse, você não consegue se salvar agora.", ele sentou-se do meu lado no chão e tentou segurar minha mão, mas a afastei. "Como?", gaguejei, "Eu não sei. Acredite, isso me chocou tanto como você. Mas tem coisas que eu posso te explicar, você vem comigo?", ele levantou e me estendeu a mão. "Eu tenho opção?", segurei-a e o segui.
Me apoiei em seu corpo enquanto passávamos por um corredor repleto de portas intercaladas, haviam dezenas. Chagamos na ultima e pelo seu olhar interpretei que aquele era o lugar onde estávamos indo, na sua entrada, ele retirou uma tocha que estava cravada ao lado e iluminava parte daquele corredor naquela noite, seu calor me fez arrepiar. "O que é isso? Estamos na era medieval e eu não sabia?", debochei, mas minha única resposta foi o barulha da chave que ele retirou do bolso girando na fechadura, mas interrompeu-o.
"Espere.", ele disse e virou as costas em direção ao corredor novamente. Quis perguntar o que havia de errado, mas ele já havia dirigido seu corpo á parte escura do lugar, então desisti. Na sua ausência, reparei pela primeira vez nos detalhes daquela porta, que a diferenciava das outras e quis abri-la, mas ele havia levado as chaves. Logo ele apareceu em meio à escuridão segurando um cookie. "Você deve estar faminta.", disse me entrando o biscoito claramente caseiro com um cheiro maravilhoso e um sorriso em seu rosto. "Cookie? Na mosca.", sorri, aquela era a primeira vez que me sentia genuinamente feliz desde que estou aqui.
"Agora podemos ir.", reencaixou a chave na fechadura e agora girou-a sem hesitar. A porta se abriu permitindo que visse um lance de escadas, quanto mais descíamos, mais bruto o acabamento do lugar tornava-se, parecendo uma caverna. Descemos fazendo varias curvas no percurso e ao final, chegamos á uma sala onde mais tochas iluminavam o ambiente que lembrava uma biblioteca, com uma mesa de pedra no centro, sem cadeiras.
Sobre ela, um livro antigo aberto no qual comecei a folhear, sem muita atenção, comendo meu cookie. Fui distraída por Sallai limpando a garganta exageradamente, sem entender, olhei para ele com a boca cheia - aquele cookie estava maravilhoso - e ele sinalizou para o livro com a cabeça, ao vê-lo, esse estava cheio de migalhas, que espanei para a mesa com a mão, entretanto ele logo veio e tirou minha fonte de felicidade momentânea das minhas mãos, imagino que aquele era um livro importante.
"Acho que podemos começar.", ele tinha um postura séria e um olhar focado, assim, posicionou-se do outro lado da mesa, deixando o livro entre nós. "Não foi isso que me mandaram fazer, estava contando que Daria tivesse te introduzido, por isso demoramos umas horas para te buscar. Mais uma vez fui deixado com a parte mais difícil.", ele caçoou, mas logo sua seriedade se recompôs. "Devemos começar pelo começo, mas eu não sou pago pra te explicar algo assim.", ele empurrou o livro, indicando que eu o leia. "Você está sendo pago para estar aqui?", disse, me sentindo mais uma vez um peso. "Não, foi só uma brincadeira sem graça, leia logo.", ele estava ficando claramente sem paciência.
O livro era grande e pesado, o fechei para começar a leitura, dessa vez prestando atenção. A sua capa era feita em um couro marrom, com detalhes metalizados nas pontas, na primeira página o seguinte título "Sol et Luna", o que logo consegui traduzir para Sol e Lua, devido á algumas aulas de latim que tivera graças ao meu pai. Mesmo parecendo um livro bem antigo pelas folhas extremamente amareladas e de uma textura diferente de papel convencional, o seu estado estava em perfeitas condições. Continuei folheando e a cada página ele complementava ou traduzia algo que meu latim fajuto não conseguia.
continua...
VOCÊ ESTÁ LENDO
Lúcifer - Marcados pelo Sangue
ParanormalAos olhares alheios, Lúcifer era uma garota normal, talvez um pouco mais pálida que as garotas de sua idade ou até dona de uma aparência estranha, que mais gosto de categorizar como exótica. Vinda de uma família não exatamente exemplar, receb...