O mercado

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No dia seguinte, Miro acordou cedo. O Sol ainda se escondia atrás dos Alpes Bashmer quando abriu os olhos. O seu quarto estava impregnado com uma luz quente e macia que fazia as paredes parecerem ainda mais alaranjadas. No entanto tinha que sair do conforto da sua casa para fazer o habitual comércio na cidade.
Passou a cara em água gélida, ajeitou rapidamente o seu cabelo selvagem castanho claro, vestiu uma camisa de um tecido amarelado, umas calças e foi para a cozinha onde já se encontrava a sua mãe com um ar descontraído. Ainda conseguia ouvir o pesado ressonar do seu irmão e desejou ainda mais poder estar a fazer exactamente o mesmo.
Depois de dar os bons dias à sua mãe, foi procurar algo que pudesse comer. Pegou no resto do guisado do jantar e sorveu-o. Estava frio e muito mais desagradável que no outro dia, mas não se queixou.
Despediu-se, pegou no sobretudo de pele que descansava sobre a cadeira de mogno e saiu de casa.
Lá fora o ar era frio e a geada cobria as pequenas ervas do campo em pequenos cristais. Os pinheiros continuavam firmemente verdes mas alguns arbustos já não tinham essa vitalidade.
Tinha muito que caminhar porque desda casa de Miro até à rua principal era pelo menos duas horas a pé mas como ia carregado iria demorar pelo menos mais uma hora.
Até à periferia da cidade a paisagem era monótona: pinheiros, cedros e outras árvores semelhantes. A paisagem começou a modificar-se a partir da primeira hora de caminhada. Por entre as árvores viam-se pequenos celeiros de pedra assentos em toros grandes e pedras cilíndricas que criavam uma sensação enorme de instabilidade para Miro. A paisagem ia alternando entre árvores e celeiros, árvores e celeiros. Excepcionalmente surgia uma casa semelhante à dele mas nada era diferente do que Miro conhecia.
Depois de entrar na parte mais central da cidade, já via pessoas a trabalhar, lojas a abrir. Por fim via a azáfama do comércio que tanto gostava. Gostava tanto daquele movimento, daquela energia no ar! Gostava quase tanto quanto passear pelo bosque.
Mas não se podia esquecer do propósito daquela visita à civilização: tinha de vender a pele e os esquilos na cidade.
Miro Grekhood sabia onde ir para vender os esquilos. O carniceiro da aldeia era um dos maiores amigos do seu pai. Podia confiar nele em qualquer situação e comprava-lhe sempre toda a caça que trazia. Talvez por pena, porque sabia como a família Grekhood tinha ficado fragilizada com a morte do Sr. Grekhood.
Andou em ruas estreitas, passou pela Praça Grande e foi ter ao beco onde existia a banca do Sr. Sarvan.
- Muito bom dia Sr. Sarvan!- cumprimentou Miro.
- Olá Miro! Não te tenho visto muito por cá. Trazes a caça do Theo?-  ecoou a voz grave e áspera do talhante.
Miro já não ia à cidade há algum tempo pois Theos tinha adoecido e por isso não tinha conseguido caçar muita coisa. No entanto não queria que o carniceiro sentisse ainda mais pena da família. Uma coisa que Miro valorizava muito era a honra e sabia que o Sr. Sarvan o iria ajudar dando comida ou pagando mais do que as peças de caça valiam. Por isso, não disse nada acerca da doença do seu irmão.
- A caça não tem dado grande coisa... Os lobos estão a matar todas as lebres - inventou Miro.- Mas trouxe aqui alguns esquilos e uma belíssima pele de urso.
O vendedor aceitou  todos os produtos e pagou com setenta pendegams e dez egons.
Sabia que a pele e os esquilos não valiam tanto mas o carniceiro sempre ajudara os Grekhood pois sabia as dificuldades que tinham. Aliás, foi principalmente ele que ajudou a família quando o pai de Miro morreu. Contribuía com carne e pagava sempre um pouco mais pela caça de Theo.
Quando acabou de vender, pôs as moedas no saco de couro que levava a tiracolo e voltou pelo mesmo caminho passando pelos mesmos ciprestes e celeiros. A paisagem, tal como na ida, era monótona mas desta vez consegui chegar em muito menos tempo a casa pelo facto de já não estar carregado com os produtos mas também pelo incentivo que tinha de voltar para perto do fogo que aquecia a casa. Quando chegou, o sol já estava alto sobre o céu mas ainda assim o frio era gigantesco. Entrou em casa e foi de imediato aquecer-se junto da lareira que flamejava brasas inquietas.  O Inverno estava quase a começar o que traria muitas dificuldades para a sua família. A caça iria ser cada vez menos e por isso os preços iriam aumentar drasticamente. Para além disso, o frio não iria ajudar nada na doença do seu irmão. Felizmente, a cidade, todos os Invernos era visitada por vendedores nómadas que traziam alimentos e outros produtos a um preço muito mais baixo.
Miro conhecia um rapaz que era filho de um “ambulante”. Chamava-se Valkian era um dos grandes amigos de Miro apesar de só se verem sazonalmente. Adorava estar com Valkian porque ele contava-lhe histórias sobre os tantos sítios diferentes que havia visitado.
Depois de se aquecer, ajudou o irmão a curtir a pele de um cervo que havia sido caçado por Theos quando ainda tinha não tinha sido atingido pela doença. Por isso a carne emanava um forte cheiro de putrefacção que enjoava Miro que entortava o nariz ao fazer o repugnante trabalho.
Após comer um prato de batatas e carne de ave já sem muito apetite foi deitar-se e adormeceu quase imediatamente.

Garbo Morv Onde histórias criam vida. Descubra agora