Theo seguia ao seu lado devagar segurando firmemente a besta contra o ombro que se encontrava pronta para perfurar qualquer animal que se mexesse. Na sua cara amarelada e magra sobressaíam dois olhos verdes furtivos. Movimentavam-se rápido por entre as largas árvores à procura da tão esperada presa.
-Segura.- disse pondo a arma nos braços de Miro. Theo baixou-se pondo-se de cócoras. Esticou o braço em direção a uma pegada quase invisível levemente marcada na terra húmida.- Carcaju.
Miro conhecia o temido animal. Era selvagem e agressivo.
Mata-o.-disse o irmão a Miro, secamente.
-Mas tu é que caças, não eu!-ripostou o mais jovem Greekhood.
-Até não poder, assim será.- Disse num tom sério e pesaroso.-Entretanto tens de aprender a fazê-lo.
Uma redoma de tristeza isolou-os como um vidro espesso e inquebrável. No entanto quebrou-se. Quebrou-se com um movimento sonoro vindo da taiga.-Agora vai! Acerta-lhe com a flecha no meio dos olhos.
Miro avançou devagar. Por baixo dos seus sapatos de couro ouviam-se as folhas quebrar, já secas e mortas.
A intensidade dos sons aumentava à medida que Miro seguia o trilho
Subitamente um som diferenciou-se dos outros por ser mais agudo e estridente. Miro virou a face bruscamente para direita. A poucos metros vigiava Theo, firme e imóvel. Miro aproximou-se mais um pouco e já sentia a morte no gatilho de madeira áspera que segurava quase a tremer. Tinha medo de como seria matar…
Viu depois o inesperado. À sua frente jazia um carcaju grande e de pelagem densa aprisionado por uma armadilha metálica, já morto. O dedo que quase comprimia o gatilho da besta afrouxou. Theo que também analisava a situação caminhou até à clareira lusidía onde se encontrava o animal morto.
-Vamos, isso é de outro caçador. Se lhe mexer-mos corremos o risco de sermos mortos.-disse.
Inesperadamente ouviu-se outro som vindo da carcaça. Os irmãos olharam de novo mas continuavam a ver apenas o carcaju sem vida. Miro encaminhou-se outra vez para o cadáver.
-Não lhe toques, ainda nos arranjas problemas.-disse Theo mais alto.
-Mas está alguma coisa ali, alguma coisa viva.-Antes que ele pudesse responder, .Miro afastou com o pé o animal morto e, agarrado ao corpo da fera encontrava-se uma criatura pouco maior que uma doninha, a guinchar.
-Não devias ter feito isso.- zangou-se Theo-Mas agora vamos antes que nos vejam.
Mirou pegou na cria.
Os irmãos encaminharam-se para a orla da floresta sem pararem um segundo sequer. Passavam como animais autóctones por entre as árvores abundantes.
Miro segurava perto do peito o pequeno carcaju que gemia e se movimentava ocasionalmente. O pêlo do animal era macio e farto. O seu focinho era curto e negro intercalado por uma faixa branca que rodeava delicadamente o gesto do animal por cima dos olhos carvão. As suas orelhas eram curtas e arredondadas, cobertas com uma pelagem suave e densa acastanhada. No entanto agarrava-se com ferocidade bestial à camisa de Miro cravando as poderosas garras lustrosas e cortantes.
Quando chegaram a casa abriram a porta escura e pisaram o tapete cor de palha secando os sapatos parcamente. O animal chiava sonoramente. Acorreu depois Norma calma mas rapidamente. Trazia o cabelo apanhado e uma veste pálida acinzentada.
-Olha, mãe, o que o Miro traz! - a sua voz já parecia mais divertida do que abespinhada.
-Posso perguntar porque trouxeram um carcaju para casa?-disse preocupada.
Um olhar jovial era trocado pelos dois irmãos de cabelos bravios.
-Encontrá-mo-lo perto duma armadilha de um caçador, estava agarrado à mãe que já não vivia-Explicou Miro.
-Nenhum caçador vos viu a mexer na caça, pois não?-inquiriu a mãe num tom apreensivo.
-Não, viemos logo embora- descansou Theo.
-Vá, venham para dentro e fechem a porta.-disse a Sra. Grekhood.
Obedeceram e encaminharam-se para a sala onde a lareira já se encontrava flamejante, a queimar furiosamente grandes toros de madeira clara.
Pousaram o animal no chão e observaram. O carcaju era pequeno mas andava, guinchando, talvez à procura da progenitora que infelizmente nunca iria voltar a ver.
Bem é melhor alimentá-lo.–disse Norma dirigindo-se à cozinha.
Voltou com um pequeno pedaço de uma carne de javali e estendeu a mão para dar ao animal que devorou a carne em poucos segundos.– Ao menos já não mama. Ainda tem chances de sobreviver… Alguém terá de ficar responsável pelo carcaju. Pelo menos até ele poder sobreviver sozinho na Taiga.
-Eu não me importo.-afirmou Miro.
-Está combinado.-Disse a mãe.
-Agora podias encher uma bacia e lavar o bicho que tresanda!–Afirmou Theo, com razão.
Miro acenou e, acarretando o animal fez o pedido.
Depois de aquecer a água despejou a para uma bacia de pedra e mergulhou o animal na água morna.
Os carcajus eram conhecidos pela sua ferocidade e coragem. Enfrentavam animais maiores e mais fortes que eles. Contraditoriamente, a carcaju parecia desorientada e carente. Roçava-se nas mãos de miro encharcada e parecia ainda mais pequena porque o pelo, molhado colava-se ao corpo fazendo-a ficar mínima.
Miro mal podia esperar para mostrar o novo elemento à sua melhor e mais antiga amiga. Era duma família rica mas ainda assim Thaísa Hasmeld era uma rapariga incrivelmente humilde. Era simpática e inteligente.
Secou gentilmente a carcaju com um fino tecido que absorvia a água sofregamente.
Tinha de lhe dar um nome… sabia que era fêmea e já que havia de ficar com ela por uns tempos tinha que por um nome.
Pensou em Zaiva, a temível rainha de Pansion, que quando vivia mandou executar todas as 12 amantes do Rei Gakio. Zaiva assasinou as 12 mulheres com uma adaga de prata e, depois de acabar a carnificina obrigou Gakio a beber do sangue das amantes. Por fim acabou com a vida do Rei e tornou-se uma das mais poderosas rainhas de todos os tempos, fazendo-se sempre acompanhar da sua fiel adaga que lhe foi dado o nome de ‘‘Viúva de Prata’’. Talvez não fosse a melhor opção para a pequena carcaju tão afável.
Pensou depois em Adria. O nome da princesa, filha de Olara e Fernimo das Ilhas das Lágrimas. Adria defendeu uma invasão sozinha. Era uma poderosa paleen. Segundo a lenda, Adria erguendo apenas as mãos fez que naufragassem todos os navios inimigos. Era também conhecida pela sua gentileza e bondade. Era a força e a delicadeza junta na mesma pessoa. Por isso, ficou o nome de Adria.
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Garbo Morv
FantasyA viagem que mudou vidas. A viagem que parou uma força antiga. Miro Grekhood vive em Garbo Morv. Os governantes tem uma nova força. Uma força devastadora. A vida pela honra. Aviso: Garbo Morv está escrita em português de Portugal. Capítulos até ao 4...