Miro Grekhood

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Miro apanhou um seixo cinzento e achatado e atirou-o com força. A pedra ressaltou três vezes na água e afundou-se rapidamente criando uma série ordenada de círculos concêntricos  que interromperam momentaneamente a quietude das águas. O lago onde se encontrava era extenso e tinha uma cor escura mas os seus olhos não sabiam dizer se era azul ou verde. Talvez fosse azul mas o bosque de coníferas que o rodeavam tingiam as águas de verde num reflexo tremeluzente. A única luz que permitia o jovem rapaz ver, era o luar. Uma lua grande, cheia e branca pairava sobre a cidade e até ele só chegavam os mais audazes raios de luar que passavam pela imensidão de abetos, ciprestes e pinheiros bravos que filtravam a luz cuidadosamente. O ar balançava um cheiro neutro a pinho. A noite tinha começado há pouco mas o sol já não dava qualquer sinal de existência. Após atirar os desinteressantes seixos, cansado, Miro sentou se na erva baixa e húmida que cobria como um tapete a margem do lago. Olhou em volta e, pela enésima vez, apercebeu se da beleza e da tranquilidade que aquele sítio exalava. Olhou para o céu, mais precisamente para as estrelas, numa procura de qualquer coisa que ele próprio não sabia. Aquele sítio era estranho. Toda a beleza que conhecia estava ali concentrada. O Lago era, de facto, o seu sítio preferido. Aliás, era para ali que ia quando sentia saudades do seu pai. Na noite que o seu pai morrera, a lua não estava presente, ou pelo menos a tristeza de Miro escureceu-a fazendo-a desaparecer no negro da noite. Estes pensamentos arrancaram da face de Miro uma pequena lágrima salgada que envenenou os escassos raios de luz que por ali passavam. Aquela memória endureceu a sua cara num despertar de raiva.
Porque é que aquela doença teria de levar o bem mais precioso de Miro? Será que a vida seria assim tão injusta para com ele?
Deixou-se levar pelos pensamentos que ondulavam na sua mente, como uma tempestade que vira os barcos que navegam sobre o Mar-das-Lágrimas. Tudo estava calado quando, de repente, Miro ouve um bufo a “uivar”. Este som fê-lo acordar do seu transe de pensamentos e lembrou-se que tinha de ir para casa. Com calma, Miro levantou-se, olhou em volta mais uma vez e por fim começou a caminhar.
Do Lago até a casa dos Grekhood era cerca de quarenta e cinco minutos mas Miro conseguia fazer o percurso em meia hora. Entrou pelo bosque e começou a caminhar. Ele adorava estar ali, ouvindo e vendo os animais que lhe fascinavam. Com isso, aprendera o nome de quase todos os seres que habitavam a floresta, os seus hábitos e até os seu chamamentos, conseguindo identificar a espécie apenas pelos sons. Já tinha andado 20 minutos quando de repente ouviu outro ruído familiar. Não tinha a certeza se era um urso mas não podia arriscar.
Na Taiga existiam centenas de animais perigosos como ursos pardos e alguns felinos.
Por precaução, Miro parou na tentativa de não ser identificado. Mal respirava e o frio começava a entrar pelas roupas de linho. Esperou um pouco e ouviu o ser mexer-se perto dele. Nem se atrevia a inspirar mas conseguia sentir o cheiro suave da resina dos pinheiros que o circundavam. O bicho voltou a mexer-se e atrás de um grande pinheiro Miro tentava passar despercebido. Pegou num dos muitos sexos que cobriam o chão da Taiga e atirou-o fazendo o seixo embater no lado oposto ao onde se encontrava. O animal que fedia a fera virou a cabeça na direcção da pedra e afastou-se. Finalmente, o rapaz continuou o caminho parando ocasionalmente para ter a certeza que não tinha um reencontro com o urso.
  No caminho pode reconhecer quer vendo, quer ouvindo, vários outros animais como um morcego-orelhudo, um veado vermelho já adormecido e até um gato-bravo que caçava pequenos mamíferos, aves e insectos com um silêncio agressivo ajudado pela sombra que afogava a floresta boreal
Depois de caminhar um pouco mais já avistava a luz reconfortante amarelo-clara emanada por trás das grossas janelas de moscovite que o fez desejar ainda mais o calor que lhe esperava. Dali, a casa era apenas celestial. Era não muito grande, as paredes feitas de cedro maciço e espesso que emanavam calor, o telhado estava coberto com plantas herbáceas verdes claras que tapavam totalmente a madeira que, em tempos, já estivera limpa e exposta. Á volta das janelas, a madeira estava pintada num tom de laranja muito suave. Aquela imagem encheu a alma de Miro com alegria e júbilo. Deu mais uns passos afastando-se das últimas árvore e bateu á porta do seu lar.
Do outro lado da porta apareceu uma senhora baixa, com o cabelo castanho e, tal como Miro, uns olhos esverdeados muitos escuros. No seu rosto sobressaíam-se as raras rugas talhadas pela tristeza da vida. A partir da noite em que morreu o Sr. Grekhood, a família tornara-se mais séria e triste. Apesar de tudo, a mãe miro, Norma Grekhood era, provavelmente, a pessoa mais amável e altruísta de toda a cidade de Garbo Morv.
Cumprimentou-a com um gélido beijo na face e acenou ao seu irmão mais velho, Theos, que já se encontrava sentado pronto para a refeição.
No interior da casa o ar era quente e emanava um cheiro que fez crescer água na boca de Miro. A sua mãe acompanhou-o a mesa, e foi buscar uma grande panela que fumegava. Serviu todos com uma colher de madeira e começaram a comer. O jantar consistia num guisado de ervilhas, brócolos e o resto da carne de um veado-vermelho que Theos tinha caçado. Estava realmente delicioso e Miro saboreou cada naco de carne e cada ervilha até a sua taça estar completamente vazia. Após a refeição, dirigiu-se para o seu quarto e deitou-se na cama. O quarto era pequeno mas espaçoso pois, para além da cama e de uma escrivaninha, não tinha qualquer outro móvel. Por cima das grossas paredes de madeira existia uma fina camada de tinta de cor muito semelhante à que rodeava as janelas. O colchão da cama era alto e sobre ele repousava um lençol que era coberto por uma espeça pele de urso macia que havia sido morto pelo seu pai.
Pegou no seu livro preferido: “O Guia da fauna e flora de Liosmir” do biólogo Raimo Risen. Por vezes imaginava os sítios que o audaz Raimo teria visitado, as aventuras que teria vivido e as plantas e os animais que já teria visto. Miro sempre sonhara viajar por todo o Liosmir. Ver a neve do norte, as montanhas do interior e o deserto no Sul. Mas a verdade é que muito pouca gente em Garbo Morv fora mais além que os Alpes Bashmere e Miro não era exceção. Enquanto lia o livro, imaginava os animais descritos como se lá estivesse. Lia sobre a foca barbuda, O Narval e o Êider das Quadrilhas do Norte, as iguanas e as gaivotas das praias do Grande Deserto de Oceandor, o leão-das-montanhas, o condor e a vicunha, habitantes das Montanhas de Rudantra. Só o guinchar dos mochos despertava o jovem Grekhood para onde realmente estava: Na pobre cidade de Garbo Morv.
Ouvia a sua mãe a mexer na louça e o seu irmão a afiar as setas da sua besta. O seu irmão era uma pessoa inteligente, tímida e tinha uma excelente pontaria o que lhe permitia caçar de forma muito eficaz. Aliás, era a caça dele que contribuía, principalmente, para pagar tudo. Miro ia, aos fins de semana ao mercado comprar e vender coisas por isso conhecia melhor que ninguém as ruas da cidade e os vendedores com quem negociava. No entanto, nos dias de semana ia todos os dias bem cedo para a Escola Inferior.
A Escola Inferior era onde todas as crianças até aos catorze anos aprendiam matemática, língua atual, geografia e história de Garbo Morv. Depois dos catorze anos os jovens passavam a estudar na 2ª Escola Paleen. No entanto nem todos os jovens iam para a 2ª Escola, apenas os jovens paleens. Quem não fosse paleen era lhe proibida a entrada à Escola. E paleen eram apenas aqueles que possuem e controlam a energia de Pal conseguindo fazer coisas que apenas os paleens são capazes de fazer.
O facto de saber que para o próximo ano estaria a aprender na 2ª Escola  enchia-o de entusiasmo. E o melhor é que sabia que entraria de certeza na escola. Tinha essa certeza pois possuía uma tatuagem com a letra “G” rodeada por uma circunferência perfeita marcada entre o pescoço e o ombro direito. Essa marca era feita pouco depois de um paleen nascer, pelo Corpo de Comando de Garbo Morv. Cada família tinha a sua marca consoante o nome de família. Pelo facto de Miro ser um Grekhood a letra que tinha era um "G‘’.
Como era fim-de-semana, teria de acordar muito cedo para chegar ao mercado da cidade suficientemente cedo para negociar as peles de um urso pardo e alguns esquilos que Theos tinha caçado. A mercadoria era pouca mas valeria pelo menos secenta pendegams e alguns egons...

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