" A garota mais triste ela era.
Lágrimas salgadas desciam pelo seu rosto.
Com o coração maior que o próprio corpo.
Seu nome era Cry Baby."
Eu ainda estava em pedaços quando o primeiro raio de luz eclodiu pela janela. Assim como eu estava ontem a noite quando não consegui ao menos dormir, ou semana passada quando mamãe e papai discutiam mais uma vez, era terrível mesmo quando eles tentavam diminuir o volume ou iam pro quarto para abafar o som, não de mim ou do meu irmão, eu imagino - a casa inteira podia ouvir o que estavam falando - mas dos vizinhos, dos quais minha mãe nunca permitiria que soubessem. E eu, bem, provavelmente estarei em pedaços por um bom tempo, vazia, sem qualquer fonte que possa me preencher novamente. E já faz tanto tempo que eu não saberia dizer se houve dias que eu não estivesse vazia.
O sol queria nascer, eu estava aproveitando minha hora favorita do dia, quando apenas o silêncio existia, sem brigas, sem gritos e xingamentos, meu irmão dormia, papai havia saído de casa novamente no meio da noite com uma mulher dentro do carro, tudo o que eu notei foi o lacinho amarelo que enfeitava seu cabelo de porcelana, e mamãe provavelmente estava desmaiada depois de ter esvaziado mais uma daquelas garrafas de xarope, um liquido que fazia ela chorar muito e a deixava tonta, uma vez eu perguntei se doía tomar aquilo, e ela disse que tomava pra não doer, mas sempre tive a impressão de que aquele remédio fazia mais mal do que bem a ela.
Eu ainda estava imóvel, sentada na minha cama, estava a tanto tempo naquela posição que não sabia se poderia voltar a me mexer, era uma dádiva enquanto ninguém acordasse ainda. E eu não chorava, diferente de como fazia a maior parte do tempo, estava exausta demais para alguma coisa sair de mim, meu estoque de lágrimas havia acabado novamente, mas não me preocupei com isso, elas sempre voltam do escuro.
- Hey, Cry Baby
Eu ouvi uma voz, a voz que sempre tira minha atenção.
Oh, elas estavam lá novamente.
Não a voz, mas as vozes.
Procurei de onde vinham, elas sempre me confundiam, era do meu quarto ou da
minha cabeça? Eu nunca sabia dizer.
E então um murmúrio, e depois mais, os sussurros preenchiam tudo ao meu redor,
inclusive a mim mesma, primeiro era difícil entender o que diziam ao mesmo
tempo, mas então tudo ficou bastante claro.
Cry Baby
Cry Baby
Cry Baby
Cry Baby
Riam e depois repetiam
Pequena Cry Baby
Pequenina.
Indefesa
Chorona
Cry Baby
- Me deixem em paz. - eu pedi, tentando não dar a mínima - não sou Cry
Baby.
Encarei a torneira fixada na parede, a maldita torneira, azul, brilhante, com
duas bocas que faziam um ângulo triste, estava sempre triste. Maldita torneira,
fechada como deveria estar.
As vozes não paravam, os murmúrios, as ondas, faziam a torneira girar,
lentamente, todos eles, ela girava e girava até completar uma volta completa, e
alguns pingos começaram a cair no chão a medida que alguns pingos caiam da
minha bochecha também, a fonte dentro de mim estava renovada.
-Parem, por favor - supliquei- O que querem de mim?
- Queremos que faça, Cry Baby. Apenas faça.
Nos tire daqui, é muito escuro, queremos brincar, queremos sair, nos liberte e
deixamos você em paz. - disseram em coral.
Eu não sabia do que estavam falando, mesmo porque eu não sabia quem estava
falando. Foi quando minha atenção se virou para o guarda roupa, algo mexia
fervorosamente lá dentro, algo pedia para sair, e eu sabia do que se tratava. A
torneira girou em sentido contrário, e minhas lágrimas pararam de cair.
Levantei, abri o guarda roupa e tirei de lá uma caixa enorme de papelão, cheio
de coisas antigas, minhas coisas de criança que eu guardei por muito tempo,
molduras com fotos de animais, blocos com as letras do alfabeto, brinquedos,
bonecas, ursinhos e outras coisas. Eu sempre os guardei pois, na verdade, eu
nunca desapeguei deles.
Comecei tirando um por um e espalhando tudo ao meu redor, estavam todos em bom
estado, tentei não prestar atenção nos ursinhos e bonecas que mantinham
fixados seu olhar em mim, e como pareciam muito vivos. Olhei ao redor do meu
quarto, e nunca pensei antes em como ele era tão sem vida e sem brilho, assim
como a parte dentro de mim, então achei que não fosse uma má ideia mudar isso um pouco,
já que internamente não é tão simples.
Todo o quarto estava iluminado pelos raios de sol quando terminei de decorar tudo, havia bonecas perto da janela, as letras ABC grudadas na parede, e um tapete com todos os brinquedos espalhados. Tomei banho, coloquei meu vestido vermelho favorito, fiz meu café da manhã, espiei o quarto do meu irmão, ele dormia como uma pedra enquanto o quarto inteiro cheirava a uma fumaça fedorenta e eu não sabia dizer como ele conseguia ao menos respirar.
Entrei no quarto da mamãe me perguntando se seria necessário acordá-la caso
ainda estivesse sob efeito do xarope, pelo visto não. Havia garrafas rolando no
chão, algumas quebradas, algumas ainda escondidas debaixo da cama, cheirava
muito mal também, objetos largados por todo o quarto, roupas espalhadas e a
cama desarrumada, mamãe ainda estava no banheiro, tomando banho. Subi para o
meu quarto novamente.
Forcei minha mente a não pensar naquilo, era uma cena tão frequente que eu já
deveria estar acostumada. Mas eu sempre chorava, e uma vez que começasse era
muito difícil parar. As lágrimas desciam tão naturalmente que já eram parte de
mim, elas vinham da minha escuridão interna e acumulavam-se no chão.
- Que droga! Alguém está girando a merda da torneira novamente. Parem!
Eu gritei antes que a nuvem escura me engolisse, como se as vozes já não fossem o suficiente.
PAREM!
E tudo só fazia com que as lágrimas descessem mais rapidamente.
Mas, felizmente, o que me salvou foram as batidas do lado de fora, a nuvem
escura foi embora enquanto eu limpava meu rosto olhando fixamente para a porta.
- Que gritaria é essa? Minha Annie, chorando novamente? Você já está muito
crescida pra chorar como um bebê. - disse mamãe em uma estado deplorável, com o rosto cheio de olheiras.
- Você e o papai brigaram novamente? - perguntei
- Não, nós não brigamos. Todo casal tem diferenças, estávamos apenas resolvendo
as nossas. Você entende, não é mesmo? - ainda não tinha percebido a garrafa na
sua mão esquerda.
- Sim, mas porque estão sempre discutindo? Já não resolveram? E porque papai
não dormiu em casa ontem à noite?
- Ora ora, você está fazendo muitas perguntas sobre coisas de adultos. -
Ela segurou a cabeça e se reprimiu como se sentisse uma pontada.
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MY NAME IS CRY BABY
FanfictionE você nunca imaginaria que mesmo ela não sendo a mais feliz ou a mais completa ela ainda estaria por perto. As vezes perdia o controle e trocava o cérebro com o coração para enfim desmoronar. Mas mesmo com a sua falsa família perfeita ou mesmo sem...