SIPPY CUP - PARTE 2

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Desde que mamãe gritou comigo eu não conseguia dormir, as lágrimas não me permitiam, era como se toda a dor dos últimos meses estivesse voltando à tona de forma bem cruel. Em menos de um dia eu pude afastar todos os demônios da minha cabeça, pude me livrar de todos os meus medos, mas então eles estavam ali novamente, claramente fixos.
Era muito tarde quando ouvi o barulho de um carro estacionando na frente de casa, possivelmente era o papai, nas poucas vezes que ele estava em casa sempre chegava no meio da noite, e na maioria das vezes eu sempre estava acordada. Eu não me importei muito com isso, era bem provável que mamãe estivesse desacordada nesse momento.
Meu coração se desmanchava junto comigo, mamãe havia mentido pra mim novamente, disse que não iria beber aquela porcaria, e lá estava ela, debruçada sobre ele, como se ele fosse mais importante que eu, e eu odiava aquilo tudo.

Deveria ter quebrado todas as garrafas, garotinha - dizia a voz na minha cabeça. E ele ou ela tinha razão, mas não o fiz. Continuei deitada, esperando que a dor pudesse finalmente acabar junto com as lágrimas, e talvez no outro dia eu estaria melhor.
Ouvi barulhos dentro de casa, pessoas falando, talvez papai não estivesse sozinho, talvez estivesse com a Sra. Margareth, e seria muito estranho se isso acontecesse. Tudo era bastante incerto e irregular, esperei bastante tempo antes de prestar mais atenção no que estava acontecendo naquele momento, quando um único grito abafado fez com que eu despertasse toda a minha atenção, e então silêncio novamente, mas depois veio de novo e com mais frequência, eu tapei os ouvidos com um travesseiro para abafar mais e não sabia dizer ao certo por quanto tempo eu fiquei daquela maneira, meia hora talvez, ou mais. Quando achei que havia passado bastante tempo decidi finalmente descer para ver o que estava acontecendo. Não sabia ao certo se estava mais assustada ou curiosa. A propósito não havia nada na sala de estar, porém a porta permanecia aberta. Eu sabia que algo estava prestes a acontecer quando todo o ambiente ao meu redor mudou novamente, tudo muito escuro que o normal, e a presença das vozes novamente, não falavam diretamente comigo mas eu ouvia cochichos e risadas, tentei ignorá-los e continuei caminhando até a cozinha.
A escuridão dificultava minha visão, quase me impedindo de ver dois corpos no chão, eu sabia pois, mesmo cobertos com um lençol que estava ensanguentado, havia dois pares de pés sem vida na minha frente, no chão da minha cozinha. Tentei abafar o espanto que saia pela minha boca em forma de gritos, dei alguns passos pra trás quando algo me agarrou, uma mão me segurava enquanto a outra pressionava um pano com um cheiro muito forte contra meu rosto, aos poucos fui perdendo o pouco de lucidez que tinha, a última imagem que vi antes de desmaiar era o rosto da mamãe e suas mãos sujas de sangue enquanto eu desmaiava em seus braços.
Quando despertei novamente estava com a visão borrada, mamãe permanecia sentada em uma cadeira me encarando com um olhar cheio de dor, olhei para os lados, minhas duas mãos estavam amarradas por uma corda, tentei me livrar delas mas era inútil. Mamãe levantou-se e se aproximou da cama, segurava uma antiga mamadeira minha que provavelmente estava largada pelo quarto, lentamente ela abriu uma de suas garrafas de xarope e despejou na mamadeira, em seguida retirou o pó de um saco plástico e pôs dentro do recipiente, misturou tudo e a fechou.
-Mamãe, o que está fazendo? - as lágrimas queriam escapar. Impulsei minha mão com a toda a força que pude, e arranquei meu braço de uma das cordas.
-Shhhhhh - sussurrou - você vai descansar um pouco. Está bem? Não tenha medo.
Ela segurou meu rosto com uma das mãos e com a outra forçou a mamadeira contra minha boca, me fazendo engolir todo o liquido. Minhas pálpebras ficavam cada vez mais pesadas enquanto eu assisti toda a minha força se esgotar lentamente, como se vida fosse tirada de mim, eu era apenas um reservatório vazio, mas ainda mantinha um resto de consciência. Mamãe limpava algumas gotas que deixara escapar dos seus olhos enquanto me encara deitada na cama sem poder fazer nada.
-Adeus, filha.
Nenhum som saia da minha boca, eu não ia poder me despedir. Respirei fundo e ofegante enquanto assisti minha própria mãe ir embora sem poder fazer nada, nem ao menos gritar por seu nome uma última vez. Toda a minha visão escureceu.
Eu estava sozinha novamente, literalmente. Não havia nada, ou melhor, havia apenas nada. Eu estava na escuridão e ela estava ao meu redor. Escuridão era tudo do que tudo era feito e eu estava no meio dela. Sentada, agarrei minhas pernas firmemente. Senão as vozes, eu estava sozinha.

MY NAME IS CRY BABYOnde histórias criam vida. Descubra agora