Eu lembro que no natal de 2010 eu passei a ceia inteira com o celular na mão. Lembro que os rituais natalinos permaneciam intactos ao meu redor: meu avô descia as escadas segurando uma tigela com a sua maionese especial: sem maionese, só batatas, ervilhas, milho e cenoura. Meus primos corriam em volta da árvore de natal, enquanto meu tio Clovis se espremia para tentar entrar na roupa de papai Noel. Com uma mão eu separava as frutas cristalinas do panettone e com a outra conferia se o celular estava tocando por uma ligação ou vibrando em alguma mensagem inesperada. Eu estava apaixonada por um garoto inamorável. Era assim que ele se nomeava, estilo Frances Ha para os amantes de filmes americanos. Ele era engraçado – senso de humor sempre foi o meu lado fraco -, era descontraído, inteligente, preocupado com a humanidade, adorava gatos e tinha uma blusa gasta do charlie brow. Eu escrevia textos para um blog em que só eu visitava e todos eles eram sobre as aventuras de uma menina apaixonada pelo garoto inamorável.
Bem clichê, bem filme pré-adolescente com uma lição de moral no final, eu sei, mas eu só tinha 16 anos e achava que poderia fazer alguém me amar.
Voltando ao natal. Antes da ceia começar tínhamos conversado através do ~msn~, único lugar em que eu conseguia me declarar romanticamente sem sentir que as minhas bochechas iriam explodir e eu teria meu primeiro ataque de nervoso. E solicitei, convoquei, ou melhor, mandei, que ele me ligasse durante a ceia me desejando um feliz natal. Por quê? Porque eu acho isso romântico. Mesmo você tendo planejado tudo isso? Sim, ainda acho.
Então ele soltou uma risada ou simplesmente mandou um ~kkkk~ e disse que iria ver, logo depois de ficar offline. E eu tinha interpretado na minha singela e careta intuição feminina que aquilo era um sim. Eu vesti minha melhor roupa. Era como se ele pudesse me enxergar além da tela, queria estar bonita para ele. Queria que ele fosse além do feliz natal e dissesse coisas como “espero que esse seja o primeiro de muitos” enquanto ele come um manjar do outro lado e eu amasso as frutas cristalinas do outro. Pensei: “Será tão incrível que dará um texto magnífico!” e enquanto as horas passavam e as crianças corriam, e meu tio rasgava a roupa de papai Noel, eu só pensava que deveria existir uma explicação lógica para aquilo. Mas não tinha.
Deu meia noite. Deu alguns minutos após meia noite. Deu a hora de lavar a louça e recolher os pratos na mesa. Deu a hora de irem embora. E o celular permanecia o mesmo.
Uma decepção amorosa para uma adolescente de 16 anos é como um pequeno buraco latejando no peito. É relativo a descoberta da inexistência do papai Noel ou de fadas madrinhas. Quando a criança volta para casa chorando porque lhe disseram que o dinheiro embaixo do travesseiro eram de seus pais. E o mundo parece sujo e sombrio. E você chega a odiar sua família e dizer que irá fugir de casa. E parece que nunca vai passar.
Com as unhas que ainda guardavam pequenos vestígios de ameixa e damasco, liguei o computador como se fosse uma arma pronta para fazer um estrago. Conectei o MSN e lá estava ele. Com uma bolinha verde piscando para mim, eu me lembro de ter escrito uma carta imensa de repúdio e vingança ao garoto que tinha me negado seu amor. Lembro de ter feito milhares de metáforas com ilusão natalina ou “você foi o que eu nunca pedi, e mesmo assim eu quis tanto”. Apertei o enter como se fosse um gatilho. E, depois de meia hora escrevendo uma resposta, o garoto proferiu uma frase que eu ainda escutaria muitas vezes por outros ao longo da minha vida: Você é louca.
Terminei a noite com um texto magnífico para o blog – vulgo a resposta que eu dei para ele – e a certeza de que é impossível ensinar alguém a nos amar.
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