Capítulo 4 - O dia seguinte - Época de Colheita

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O sol apareceu ofuscando a noite plantada em cada um dos três pares de olhos. Como de costume, Andrea se levantou bem cedo, mas antes de preparar o café, parou no quarto de Carolina.

– Como a senhora está?

– Não consigo responder essa pergunta, minha querida.

– Eu também não dormi bem, teremos um longo dia pela frente. – Tentou aliviar a tensão com um sorriso mal disfarçado.

– Minha noite foi um inferno, tive vontade de levantar e sufocar aquele desgraçado com o travesseiro.

– Não diga isso D. Carolina. – Ela mesma teve essa vontade, mas não podia estimular sua patroa.

– Como vai ser agora? – Perguntou com um misto de decepção genuína que só ocorre quando antes esteve presente o amor também genuíno.

– Não sei... Melhor eu ir preparar um café.

Andrea passou pelo quarto de Raul sem sequer olhar em sua direção. Seguiu direto à cozinha e preparou algo rápido para Carolina. Estava angustiada. Sua decisão da noite anterior perdera força e ela se sentia perdida e novamente indecisa. As poucas horas de sono aplacaram seu desejo de ir embora.

Algum tempo depois Carolina apareceu pálida e abatida na cozinha.

– Venha comer alguma coisa. Fiz aquelas torradas que a senhora tanto gosta. Já tomou seus remédios?

– Já tomei, mas não consigo comer.

– Faz um esforço – disse servindo duas fatias de torrada e uma xícara de café.

– Eu não sei o que fazer. Não quero olhar para a cara dele, tenho vontade de acabar com ele.

– Eu sei que é difícil, mas o que podemos fazer?

– Não sei, o mal já foi feito. Mas não consigo conviver com isso. Preciso ir embora daqui.

Apesar de plausível, Andrea não tinha imaginado isso. Se ela fosse embora quem cuidaria de Raul? Ela também planejara deixar a casa, apesar de não estar totalmente convencida disso.

– Acho melhor ver como ele vai reagir e também como a senhora vai reagir. Hoje o impacto maior já passou, a senhora pode pensar melhor e se não se sentir pronta, é melhor também não ir até o quarto dele.

Carolina pensou por um instante. Andrea estava sendo sensata, mas ela queria confirmar a identidade do garoto. Ao mesmo tempo em que desejava por isso, temia que suas suposições fossem verdadeiras. Aí sim não teria mais paz de espírito. Eu não mereço essa provação no fim de minha vida – lamentou em silêncio.

– Eu fiquei pensando durante a noite e eu acho que sei quem foi o garoto que ele molestou. Se eu estiver certa, essa depravação será ainda mais grave. Pode ter sido o filho de uma família próxima à nossa. Mas não quero levantar falsas acusações, isso cairia como uma bomba na cidade toda.

Antes de responder Andrea ponderou bem suas palavras para não provocar uma situação ainda pior. Não sabia a que conclusões Carolina tinha chegado, mas a revelação da identidade do menino somente iria jogar gasolina no fogo recém aceso.

– Como eu não conheço bem as pessoas da cidade, não adiantaria a senhora me contar. De qualquer forma acho que a senhora está certa em não comentar nada. Se realmente foi uma criança de uma família próxima, o desastre seria enorme.

COISAS DE MENINOOnde histórias criam vida. Descubra agora