CAPÍTULO 6 - Um Contexto

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Uma semana se passou desde a despedida de Carolina. Durante esse tempo Raul tentou continuar sua história, mas Andrea adiou sob a justificativa de que precisava de acostumar com a ideia. Raul respeitou. Até que em um final de tarde de uma quarta-feira, ela colocou uma poltrona ao lado da cama, se sentou com um caderno e caneta e também um gravador digital.

– Acho que estou pronta, podemos começar.

– O que é isso? – Indagou, se referindo ao gravador.

– É um gravador, com ele fica mais fácil eu prestar atenção ao invés de ficar interrompendo o senhor pra fazer anotações.

– Mas você acha necessário?

– Acho. Eu não vou conseguir guardar todos os detalhes. Quero prestar atenção e depois com calma vou colocando no papel, se eu esquecer alguma coisa é só ouvir a gravação, assim não preciso ficar te perguntando tudo de novo. – Uma meia verdade... ou meia mentira.

– Só me prometa uma coisa. Quando eu receber visitas deixe esse gravador longe do alcance.

– Combinado. Tenho um acordo com o senhor. Bom... até agora o senhor só contou que estuprou um menino...

– Não foi um estupro, não fale assim. Em nenhum momento eu fui violento.

– Eu não sei qual é o termo correto, mas me parece um estupro.

– Prefiro chamar de abuso. Você disse que não ia me julgar.

– Tudo bem, vou ouvir.

– Eu tinha vinte e poucos anos, tinha acabado de conhecer Carolina e fazia pouco tempo que estava na cidade. Sou de Pernambuco e pulei de cidade em cidade até me estabelecer aqui. Você já teve essa idade e sabe que somos inconsequentes. Quando cheguei fui tratado como um ídolo, principalmente pelas mulheres e pelas crianças, por causa do futebol. Eu morava numa pensão imunda e meu quarto vivia cheio de garotos e de algumas moças também. Acho que isso me virou a cabeça.

– Em que ano foi isso?

– Não tenho certeza, mas deve ter sido 1978 ou 1979, porque?

– Se vou escrever sua história, as datas são importantes.

– Isso não é o mais importante, mas de qualquer forma acho que foi 1979, pois eu já namorava Carolina.

– Eu é quem vou escrever e decido o que é importante ou não.

– Tá bem, não importa. Como eu estava dizendo, foi uma época em que pela primeira vez eu fui bem tratado. Tive uma infância muito difícil, meus pais morreram quando eu era criança ainda, tinha uns 4 anos.

– Morreram do que?

– Um vizinho do sítio atirou neles por causa da cerca que meu pai teimava em avançar sobre a terra que não era dele.

– Que triste. Desculpe interromper, mas acho importante esses detalhes.

– Você está certa. Talvez se eles não tivessem morrido eu não teria passado por tudo que passei e a história poderia ser bem diferente. Seja como for, acabamos perdendo o pedacinho de terra que tínhamos e fui morar com meu tio.

COISAS DE MENINOOnde histórias criam vida. Descubra agora