CAPÍTULO NOVE

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Os dias foram transcorrendo sem maiores acontecimentos, volta e meia notava um olhar curioso para mim na escadaria do meu prédio, por cerca de quatro dias realmente achei que fosse coisa da minha cabeça. Até na sexta-feira eu estava chegando da universidade, no fim da tarde, quando vi uma das minhas vizinhas se atrapalhando no portão, cheia de sacolas de supermercado. Não me custava nada abrir o portão e segurar para ela passar, afinal eu também queria entrar. Foi justamente o que eu fiz, cumprimentei a mulher, mas quando ela me reconheceu fechou a cara na hora, deu um jeito de segurar todas as suas sacolas e aproveitou que eu abri o portão e foi entrando.

— Mas que falta de vergonha —  ouvi ela falar baixinho quando virou a cara para não me olhar.

Fiquei parado por alguns segundos, vendo ela se afastar, sem entender nada. Ela sempre foi tão simpática e eu não me lembrava de nenhum desentendimento entre nós. Mas foi Pedro que me esclareceu sobre esse clima estranho. Ele estava cozinhando alguma coisa quando entrei.

— E aí Joca. Beleza?

— Oi, tá queimando o que aí? —  fui pegando uma latinha de refrigerante na geladeira.

— O miojo grudou um pouco no fundo da panela, mas dá para comer. Cê quer? —  ofereceu com toda sinceridade, mas quem queima miojo?

— Não valeu, depois eu como alguma coisa —  eu ia sair da cozinha mas voltei quando ele falou comigo.

— Aí irmão... eu ouvi umas coisas aí pelo prédio e... eu queria falar contigo...

— Fala —  me escorei no balcão.

—  Então... tu trouxe alguém para ficar aqui na sexta-feira? —  ele falou como se já soubesse e estava apenas confirmando —  Então cara... O seu Lúcio, aqui do lado, ele ouviu uns barulhos, na real, todos os vizinhos de porta ouviram, até a loirinha daí da frente, ela viu também a hora que teu amigo saiu... e... hum... hoje de manhã eu tava saindo e topei com a síndica e tipo ela mandou a gente ter cuidado... com esse tipo de... barulho. Tá entendo? Ela falou um monte de coisa lá, a maior parte era sobre pudor e respeitar. Sabe como ela é né!

Para finalizar ele deu uma garfada no miojo grudento e comeu me olhando, esperando uma reação que não veio. Eu estava paralisado de vergonha, completamente sem chão, senti meu rosto esquentar provavelmente ficando muito vermelho.

— Como é o nome dele? —  perguntou querendo rir da minha cara.

— Augusto —  falei ainda em estado de choque.

Ele pareceu pensar por alguns segundos antes de comer mais do miojo grudento.

— Não conheço. Mas tu comeu ele ou foi ele que te comeu?

Ele só estava encrencando comigo e tudo que eu podia fazer era lembrar da reação daquela mulher no portão e das olhadas atravessadas que eu levei. Em alguns instantes eu finalmente reagi. Fiz a única coisa que podia, cobri o rosto frustrado e envergonhado. Pedro caiu na gargalhada sem nenhuma consideração, nessa hora eu quis muito bater nele, com toda minha força, mas não seria justo descontar minha raiva nele.

Nos dias que seguiram as olhadas atravessadas ainda me acompanhavam, com o passar dos dias aquilo foi me deixando triste. Via o Guto eventualmente, mas não era mais a mesma coisa e isso me doía.

Nas vezes que nos víamos por livre e espontânea pressão dele, uera inevitável reparar em detalhes que antes me eram invisíveis, como o modo como o cabelo arrepiava fácil por estar meio crescido, ou o perfume que ele usava, o piercing da sobrancelha que ele mudava as vezes, ora de uma cor para de outra. Durantes nossas conversas ele sorria como sempre, como se nada tivesse mudado, como se aquela noite nunca tivesse acontecido.

Amigos - Um Romance ClichêOnde histórias criam vida. Descubra agora