Prólogo

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-Mais uma taça, por favor. -Eu pedia ao garçom.
Ele assentiu e foi até a garrafa de vinho. Com movimentos tranquilos, ele encheu a taça pela metade e me trouxe.
-Mais alguma coisa senhora ? -Ele perguntou.
Ele tinha um corpo comum, não era tão magro e nem tão gordo, e costumava me atender sempre que eu sentava para beber lá.
-Não, obrigada. -Falei.
Eu começara a frequentar o Wine's depois que minha mãe e meu irmão faleceram, aos meus 20 anos. Começara a beber muito cedo, e a fumar também. Papai e eu não nos dávamos muito bem, por causa das circunstâncias e problemas que ele chamava de "trabalho". Eu passava a maior parte do tempo bebendo, sempre que a dor surgia dentro de mim, vinha junto uma vontade enorme de beber e pelo menos por alguns instantes esquecer que eu não tinha mãe.
Quando perdi minha mãe, e meu irmãozinho Thomas, me transformei em uma Anna completamente diferente da Anna que minha mãe se orgulhava. Hoje em dia eu era a Anna totalmente errada, carente, e tudo de pior que você puder imaginar. A sensação de não ter a minha mãe comigo, ou de não escutar Thomas fazendo pirraça, incomodava muito. Eu amava a nossa família, e ficava muito satisfeita em saber que nós tínhamos uma vida boa.
Despertei-me de meus pensamentos quando o garçom avisou que iriam fechar. Me dei conta de que tinha passado muito tempo sentada e bebendo, e me perguntava sempre "o que você acha disso mãe?"
Eu percebi que fracassava sempre, nunca conseguia pensar nela de uma forma feliz, sem sentir dor e tristeza. Minha mãe e Tom haviam sido roubados de mim e eu me sentia sozinha, não havia mais bagunça e nem nada, e aos meus 22 anos, eu ainda não tinha aprendido a conviver com aquilo.
-Senhora?
Olhei em direção ao garçom.
-Vamos fechar em 20 minutos.
Assenti e continuei o encarando.
-Senhora? Está tudo bem?
-Está sim. Tenha uma boa noite. Até mais.
Levantei do banco e segui andando pelas ruas, extremamente desertas e um silêncio pairava no ar, quando me sentei no banco da praça e comecei a chorar. Eu não sabia o motivo certo pelo qual eu estava chorando, mas sempre vinha a imagem da minha mãe e de Tom em minha cabeça, na maneira como ela estava irreconhecível no dia do seu velório, pois parecia outra pessoa. E quanto à Tom, os médicos recomendaram que não abríssemos o caixão. Não sei o motivo, e acho que nunca saberei.
Me sentia mais sozinha do que qualquer pessoa.
Segui o caminho para casa, com o rosto borrado de rímel e a maquiagem preta escorria pelo meu rosto junto com as lágrimas.

********
-Anna? Ah filha, graças a Deus. Estava preocupado. -Meu pai me recepcionou na porta.
Quando o vi, simplesmente o abracei e comecei a chorar, vendo todo meu rímel ir embora junto com as lágrimas que desciam.
-Onde você estava?
Hesitei, mas por fim, eu acabei falando.
-Wine's.
-Bebeu de novo, Anna ?
-O suficiente para me tirar de pensamentos ruins.
Meu pai fez sinal negativo com a cabeça e amarrou o roupão verde que ele estava usando. Ele parecia muito decepcionado, era um homem fechado e triste. Depois da tragédia, ele envelheceu mais do que sua idade, tinha os cabelos grisalhos e barba cumprida mal feita.
-Anna, precisa parar de beber. Sua mãe deve estar decepcionada, assim como eu. Não é assim que...
-Ah, cale a boca! Você faz isso sempre que sente falta dela, e vem me dizer o que devo ou não fazer ? Mamãe pediu que você cuidasse de mim, e olha o que você está fazendo. Preciso de carinho, Albert, preciso superar isso. Nós dois precisamos superar isso juntos. -Minha voz foi ficando trêmula e senti mais lágrimas.
Meu pai me olhava com desprezo, analisando meu rímel borrado, meus choros e meu traje. Ele provavelmente deveria estar pensando que sou uma espécie de puta. Eu sempre fiz minhas merdas, mas aos 22 anos, eu só tinha transado com 3 caras. Nunca levei nenhum para casa, para o orgulho da minha mãe.
Minha vontade de namorar e ser feliz havia acabado e morrido junto com minha mãe. Era como se uma parte de mim tivesse ido com ela e a outra parte simplesmente só estava lá, sendo uma inútil, para falar a verdade, eu por inteira só ocupava um lugar no mundo. Eu apenas existia.

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