Dois

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As palavras de Eduard, me fizeram desistir de ver mamãe e Thomas. Eu não queria apenas ler a lápide e ter a sensação de que minha mãe estaria ali. Eu queria minha mãe em carne e osso, eu desejava sentir o perfume dela, desejava de ter Thomas brigando e chorando. Mas eu nunca mais o teria, e a sensação de visitar ela morta, me dava nó no estômago. Desde que mamãe morreu, eu não conseguira mais voltar ao cemitério para visitar seu túmulo.
Chegando em casa, encontrei meu pai sentado no sofá, assistindo um filme.
-Oi, pai. -Falei secamente.
-Oi, Anna. Como foi o trabalho?
-Foi bom.
Ele assentiu e voltou a roer unha. Segui para o meu quarto jogando a mochila em cima da cama. Deitei e deixei os pensamentos tomarem conta de mim. Eu não sabia mais o que fazer para parar de beber e fumar. Era meu refúgio, sempre que a dor começava a surgir. Eu não queria sentir falta da minha mãe, eu apenas queria ser feliz.
Thomas era meu irmão caçula de 3 anos e meio, tinha o cabelo estilo índio e os olhos verdes, como a grama. Amava os aviões e odiava as flores, elas o faziam espirrar, o que fazia ele ser igualzinho ao meu pai: amava aviões e filmes de ação, odiava flores e espirrava sempre que sentia o perfume de uma - algumas vezes de propósito, mas as outras, era verdade mesmo.
Levantei-me e me encostei na janela, olhando as estrelas, quando vi duas juntas. Uma grande e uma pequena, eram as que mais brilhavam. Mamãe sempre quis virar estrela, e amava elas, por causa do brilho e porque simplesmente ela dizia para si mesma que era o pai dela, olhando por ela. Desviei os olhos e me deparei com a foto dela e de Thomas, no fim de semana no Caribe.
Aquilo bastou para mim. Peguei minha bolsa, dinheiro e tudo mais e avisei ao meu pai que ia para o Wine's.
-Não. Você não vai.
-Sim, eu vou.
Ele segurou no meu braço antes que eu pudesse sair e me disse:
-É assim que você quer matar sua dor?
-Não é da sua conta. Eu faço o que eu quiser, está bem? E você, deveria se preocupar com si mesmo, com o que você anda fazendo durante 2 anos, por que eu sei o que estou fazendo. Mas você não, e você nunca sabe.
-Você tem 22 anos. Eu tenho 42 anos. Quem tem mais experiência ? Anna, eu faço o que bem entender, sou seu pai.
Não fico o tempo todo pensando na sua mãe ou em Thomas, porque isso não os trará de volta. Eu sempre consigo algo pra fazer, mas e você ? Você é fracassada, não tem faculdade e bebe que nem uma desorientada.
-Se eu sou uma fracassada, por que então você não repara no que você faz? Repara nas suas atitudes e para de mentir pra si mesmo, e aí veremos quem é o verdadeiro fracassado na história. -Respondi puxando meu braço com os olhos cheios de água.
Saindo de casa, peguei o carro e chorando, acelerei o máximo que pude. Dentro do carro, acendi um cigarro e ainda chorando, coloquei uma música e vi no retrovisor, um homem me xingando pois eu havia dado seta que entraria para esquerda, mas esqueci de que estava indo para outro lugar, e acabei dando seta para a direita.
Lembrei do rosto da minha mãe, e de como ela gostava de me levar para sair, com Tom na cadeirinha de trás. Íamos rindo e conversando durante todo o percurso.
Minha mãe era bastante respeitada, e era dedicada o suficiente para conquistar os objetivos dela. E eu era assim também, até o dia em que ela me deixou e resolveu ir para um lugar melhor do que o meu.
Com o volume alto e sentindo o gosto do cigarro, acendi mais um, e em alguns minutos eu já estava no Wine's.
Estacionei o carro e entrei.
-Boa noite, Anna.
-Boa noite, Sr. Gusmman. Não vou beber aqui hoje. Eu quero 3 garrafas de vinho, o sabor de sempre. Quero uma garrafa de 51, quero vodka e energético, por favor.
-Opaa...Onde é a festa ? -Ele perguntou enquanto ia buscar as bebidas.
-Na minha casa. No meu quarto.
No mesmo instante, o sorriso que estava em seu rosto, desapareceu. Ele pegou uma sacola onde colocou tudo.
-Quanto dá?
-Anna, tem certeza de que vai levar isso tudo?
-Sr. Gusmman, quanto dá isso tudo?
-Dá R$289,76.
-Obrigada. -Respondi entregando-lhe a quantia. Ele me entregou as bebidas e eu as coloquei dentro do carro. Antes de ligar, acendi mais um cigarro e abri uma garrafa de vinho.
Sentindo o gosto do maravilhoso vinho, acelerei com o carro, sem saber para onde ir, sem rumo. Pensei em ir à Praia, sentar e ficar em um lugar tranquilo. O vinho desceu estupidamente gelado, me deixando com uma sensação maravilhosa, junto com o cigarro, me dava impressão de estar em outro lugar.
Ultrapassando sinais, acelerando à 90km/h, finalmente cheguei na Praia. Desci do carro, já cambaleando e vi que estava mal movimentada, o que me deixou muito mais à vontade, para beber e fumar sem que as pessoas me olhassem feio e pensassem "ela é tão jovem, e faz isso tudo. Imagina como não deve ser para a mãe." Isso me deixava péssima, me deixava sem chão e sem resposta.
Sentei-me na areia e já estava na segunda garrafa de vinho, quando notei uma presença esquisita. Até que finalmente reconheci: era Eduard.
-Oi, Anna Miller.
-Ah, oi Eduard.
-Isso tudo é para você beber sozinha?
Apenas assenti tragando o cigarro.
-Esteve chorando? -Ele perguntou sentando-se ao meu lado.
-Sempre estou, Eduard.
-Está bem, você não precisa beber isso tudo. Vai acabar fazendo mal.
-Isso não é nem metade. O que faz aqui? -perguntei trocando de assunto, antes que ele tocasse na minha ferida.
-Vim procurar sossego, e pelo visto, encontrei você de novo.
Eu sorri.
-Você é mais bonita sorrindo do que chorando.
-Você nunca me viu chorar. -Respondi com um tom de voz agradável.
-Mas tenho certeza de que você é mais bonita sorrindo. Posso te levar para casa hoje? Se for mesmo beber essa porcaria toda, não vai conseguir dirigir.
-Não precisa...É que...Eduard, eu já estava de saída para falar a verdade. -Respondi me levantando, quando caí.
-Anna? Tudo bem?
Eduard rapidamente se levantou e me ajudou a levantar.
-Você não tem escolha. Eu vou te levar para casa. Venha. -Ele falou tirando seu casaco e colocando em mim.
Pegou minhas cachaças e as quebrou, me colocando no banco de passageiro e passando o cinto por mim.
-Por que está se importando tanto? -Quebrei o silêncio.
-Você não precisa daquilo, Anna. Tem um ótimo emprego, um ótimo pai e...
Comecei a rir ironicamente.
"Você tem um ótimo pai". Aquela frase ficou na minha mente até que eu me concentrasse novamente na conversa.
-Meu pai é o pior pai de todos. Só pode estar de brincadeira comigo.
-Anna, eu moro com minha avó. Não tenho nem pai e nem mãe. Perdi minha mãe recentemente...
-Uma dor não se deve ser comparada com a outra, Eduard.
Ele não respondeu, então liguei o som e indiquei o caminho de volta para minha casa.
A viagem foi silenciosa, de ambas partes, ninguém dizia nada, e só escutávamos o barulho de nossa respiração.
Eduard era o tipo de cara, que parecia ser bem fechado, assim como eu me tornara. Ele era bonito, tinha estilo e desde a primeira vez em que o vi, as rugas permaneciam no mesmo lugar. Ele demonstrou se importar comigo e tentou me mostrar a coisa certa.
-Posso lhe fazer uma pergunta, Anna ?-Ele finalmente disse algo.
-Você vai fazer do mesmo jeito se eu disser que não, então siga em frente.
-Como sua mãe morreu? E o seu irmão?
Hesitei em responder, quando bufei e finalmente disse:
-Não quero falar sobre isso.
-Mas eu...
-Sem "mas" Eduard. Eu não quero falar disso e ponto.
Ele assentiu com uma cara de desapontado e sorriu para mim.
-Mesmo com o rosto borrado, você está bonita.
-Isso foi elogio ? -Respondi bêbada.
-Claro.
-Está bem. Não tenho interesse.
-Não te elogiei por interesse, e sim por que você é bonita.
-Você está interessado em sexo? Sinto muito, eu...
-Eu já disse que não. Fiquei preocupado de você dirigir sozinha e se machucar. Precisa tomar cuidado, Anna. Você é velha e precisa tomar juízo.
-Tá bom, papai. -Respondi revirando os olhos.
Em alguns minutos, chegamos em casa e ficamos calados por alguns segundos enquanto o carro estava estacionado.
-Obrigada Eduard.
-Não é bem assim. Quero falar com seu pai para me certificar de que você está mesmo em casa.
-Você não vai entrar, meu pai não...
-Não me importa. Quero ter certeza que deixei você no lugar certo.
-Tudo bem, então.

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