Seis

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Havia começado a chover, e graças a minha intuição eu estava de casaco. O trânsito estava horrível, engarrafamento e muito carro buzinando. Aquilo já estava me deixando agoniada, o que não era nada bom.
Sempre que ficava agoniada, sentia vontade de beber, mas isso muita das vezes me incomodava muito. As pessoas me olhavam feio, como se sentissem pena de mim por ser uma bêbada refugiada, ou outras me olhavam com nojo, como se eu fosse uma qualquer, que transava por bebida, e ainda tinha os que me confundia com prostituta e chegavam falando "Oi, quanto é o programa?". Aquilo me deixava extremamente nervosa, principalmente porque na maioria das vezes era velhos nojentos que perguntavam.
No meu aniversário de 21 anos, preferi não fazer festa nenhuma, pois era meu primeiro aniversário sem mamãe. Em todos os meus aniversários, ela fazia ao menos um bolo, docinhos e encomendava bebidas. O mais especial foi o meu aniversário de 17 anos. O mais importante, geralmente é aos 15, mas aos meus 15 anos, eu havia preferido não fazer nada. Não foi por falta de incentivo, simplesmente eu não queria ser uma "comum", eu não queria ser uma garota igual à todas.
Fiz uma grande festa aos 17, quebrando todas as regras. Fiz exatamente como os 15 de anos de uma garota, mas em uma idade diferente. Em minha opinião, 15 anos não fazia de uma garota ser mulher. 15 anos, não tornava ninguém mais maduro. Era o que tava na mente e no coração.
Todo tipo de experiência que eu sabia, mamãe que havia me ensinado e me mostrado com a melhor simplicidade. Me mostrava através de atitudes e acontecimentos, ou seja, para cada acontecimento ou atitude, errada ou certa, tinha uma lição. -Boa ou ruim, mas na maioria, boas.
Retornei a dirigir e os pensamentos se afastaram como um furacão tomando tudo, e na minha cabeça o nome de Eduard não cessava, mas eu mal o conhecia. Precisava seguir em frente, assim como ele o fez. Ou talvez seja só um dia ruim para ele, as vezes ele não está acostumado a ter dias de tristeza, e ficou incomodado com minha presença ali. Ou então, ele deveria sentir falta da mãe e ao mesmo tempo, estar preocupado com a avó. Eduard era marcado por tristeza e tormento, era como se ele nunca fosse conseguir libertar-se do passado, e assim, não viveria o presente, e dessa forma, não planejaria um futuro.
Afastei-me novamente de meus pensamentos, quando fui me dar conta, já estava em casa. Os velhos ainda estavam lá, e a reunião não havia acabado. Coloquei o carro na garagem, peguei minhas coisas e dei de cara com Felipe. Um amigo de infância, que chegou a ser meu primeiro namorado, aos meus 15 anos. O tempo nos afastou, ele havia conseguido uma vaga na faculdade de Paris. -Meu lugar favorito.
Quando o vi, fiquei sem reação.
-Anna... -Ele falou me olhando.
Eu sorri e ele me abraçou. O abraço dele continuava o mesmo, ele não havia mudado em nada, a não ser pela barba em seu rosto, que o deixava mais velho, e ele havia tirado o aparelho. Seu sorriso estava impecável.
-Você não mudou nada! -Ele falou me dando um beijo na testa.
-Ah, é...Você também não.
Abri um sorriso sem graça, porque para falar a verdade, eu não queria o ver. Não queria que ele tivesse me abraçado, não queria o ter por perto mais. Ele destruiu o amor em que eu acreditava, e me ensinou a praticar o amor próprio.
-O que você está fazendo aqui? -Perguntei sendo seca.
-Seu pai não lhe contou?
Ele fez uma cara de surpreso. Ao mesmo tempo, parecia desapontado. Sua expressão não dizia muito do que ele sentia.
-Me contou do que ? -Perguntei séria.
-Já me formei, em contabilidade. Fui contratado pelo seu pai, vou ajudá-lo a dirigir a empresa dele.
Eu fiquei tão surpresa, mais tão surpresa, que minha mão foi a boca. Não sabia expressar meu sentimento naquela hora, se era raiva, ódio, vontade de matar o meu pai, ou Felicidade por tê-lo de novo.
-Ah...hum...É...Que legal... -Respondi abrindo um sorriso sem graça.
-Você não parece tão feliz. Está tudo bem?
-Claro, claro que está. -Respondi com os olhos cheios de lágrimas.
-Anna, voltei para ficarmos juntos...-Ele sussurrou em meu ouvido, me deixando arrepiada, e por um momento, meu corpo pediu para relaxar, mas eu sabia muito bem qual era a de Felipe.
Ele foi se inclinando, como se fosse me beijar. Eu o empurrei e já estava nervosa.
-Você tá pensando o que ? Fica fora por 8 anos, não mantém contato comigo, não fala comigo a 1 ano e meio, e quando volta acha que é assim? Felipe, posso ser honesta? -Falei limpando as lágrimas dos meus olhos.
Eu não sabia o que dizer, meu grande amor de infância, estava bem à minha frente. O garoto que eu amava, que daria minha vida por ele. Ele ainda era o mesmo.
-Anna eu sei que...
-Deixe-me falar. Por favor. -Cortei-o.
Ele assentiu.
-Felipe, eu te amei. Só Deus sabe o quanto. Mas é claro, sempre tem a merda de uma coisa ruim para interferir. Isso fez bem a você. Ao menos você não é infantil e babaca, eu acho. Faz 2 anos que perdi minha mãe e Tom. Você nem sequer me mandou uma mensagem...E agora volta dizendo que quer ficar comigo ?
-Anna, eu não sabia o que dizer, não sabia o que te falar para confortar. Você sempre soube que eu era assim, preferia não conversar...
Hesitei por um momento e continuei:
-Meu pai é um completo babaca corrupto, tem certeza de que quer entrar nessa empresa de merda?
Ele assentiu, me olhou com raiva e falou:
-Tchau, Anna.
-Tchau, Felipe. -Respondi entrando dentro de casa.

************
Entrando na sala, papai logo puxou meu braço e sussurrou:
-Quero lhe apresentar uma pessoa.
Eu revirei os olhos e assenti. Ele nunca havia me apresentado à ninguém, porque eu não gostava, mas naquela noite, ele parecia feliz, então me deixei levar pela onda dele.
-Sr.Brusklyn, essa é Anna. Minha filha.
O Sr.Brusklyn era o novo gerente, provavelmente confidente de papai.
-É um prazer, Anna.
Eu assenti e meu pai disse:
-Ela é assim mesmo, não é filha?
Ele colocou a mão em meu cabelo e eu a tirei. Dei as costas e fui direto para o quarto.
Me tranquei lá e chorei. Felipe havia voltado, o que seria motivo de alegria à 8 anos atrás. Hoje eu só sentia ódio dele, por ter preferido pensar em seu futuro a ficar comigo. Na época, eu não era madura o suficiente para entender que ele agiu certo. Felipe tinha uma meta, e por mais apaixonado que ele fosse por mim, a meta estava acima de tudo. Ele queria um futuro, queria ser independente.
Quando pequeno, ele era muito maltratado pelo pai, que não dava dinheiro à ele, não comprava nada. Sua mãe estava internada em tratamento de depressão. Desde pequeno, ele aprendeu a se virar sozinho, e com meu incentivo, ele se tornou uma pessoa mais madura. Não fui eu quem o transformou, ele via necessidade disso, e então o fez. Pagou o tratamento de sua mãe, cuidou dela e ainda cuida até hoje. O nome dela é Tina, mas ela é mais conhecida como Dona Tininha. Ela me amava, era como se eu fosse filha dela.
Me despertei de tudo e enxuguei as lágrimas rapidamente quando escutei a porta bater. Sem pensar duas vezes, eu a abri e me deparei com o rosto de Meggie. Sem dizer nada, eu comecei a chorar e ela me abraçou. Meggie sabia de tudo, desde o início. Sabia o quanto ela doloroso para mim.
Ela fechou a porta e foi andando comigo até a cama e disse:
-Eu sei o quanto dói, querida. Para mim, não foi diferente.
-Ele continua o mesmo, Meggie! Ele está ainda mais lindo, e quando o vi, senti meu coração se apaixonar por cada detalhe daquele desgraçado de novo. -Respondi chorando.
Parecia que ela lia meus pensamentos, sempre que eu chorava, ela acertava em cheio o motivo.
-Ele vai trabalhar com seu pai. Vai conviver com você novamente, Anna. Vai esbarrar com você, ou então te chamar para sair, como ele sempre fazia, cabe à você decidir tudo o que vai acontecer daqui para frente. Por mais que ele tenha errado, siga seu coração. Você merece ser feliz ao menos uma vez.
Eu assenti, sorri com tristeza, e ela deu um beijo na minha testa, depois saiu.
Depois que Meggie saiu do quarto, eu não conseguia dizer nada. Ficou eu e o vazio lá. Da água para o vinho, a vontade de beber apareceu.

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