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De casa para o meu trabalho demorava em cerca de 20 minutos, passando pelas ruas movimentadas da Carolina, observava as pessoas no centro, comprando presentes e resolvendo negócios, e eu gostava de sair de casa, ir para o meu trabalho e me libertar de sentimentos ruins.
Eu trabalhava em uma loja de floricultura desde os meus 15 anos, pois mamãe trabalhava lá e fora uma das melhores gerentes, então eu sempre ajudava ela, e na minha mente ela ficaria muito feliz em saber que eu gostava de flores, assim como ela também gostava. Papai dirigia uma empresa de contabilidade, mas quando minha mãe ainda era viva, ele sempre tinha tempo para viajar e se divertir com a família. Depois, tudo mudou.
Chegando na loja de floricultura, encontrei com a nova gerente, Raquel, que era totalmente rígida e tinha alergia às flores.
-Bom dia, Anna.
Eu não disse nada, como de costume, apenas assenti e segui para a salinha dos funcionários.
Não era grande, mas fazia tempo que não havia sido reformada e dava um aspecto de ser antiga. Havia um frigobar no canto, ao lado de um sofá vermelho, e uma mesinha de centro. No fundo do quarto, havia um armário, onde os funcionários guardavam seus pertences antes de começarem o turno.
Peguei o avental que era da minha mãe e o vesti, colocando dentro dele uma pá pequena e uma caneta azul, o suficiente para eu cumprir meu turno.

                  *********

-O senhor prefere as tulipas ou as rosas ?
O homem, com aparência de 50 à 60 anos, viera comprar flores para sua esposa, mas como não sabia os nomes, apenas apontava para elas e dizia que eram bonitas. Ajudei-o a escolher, colocando as tulipas na mão direita e a rosa na esquerda.
-Tulipas. Da cor laranja.
Eu sorri e disse:
-Elas vieram diretamente da Holanda. São chamadas de "Tulipas Holandesas".
Ele apenas assentiu e me entregou o dinheiro. Enfiei no bolso do avental, enquanto colhia na estufa. Entreguei a nota e ele foi pagar no caixa, com o dinheiro que eu havia devolvido, enquanto eu embalava as flores e as deixava perfumadas, pois tulipas não tinham cheiros.
Depois, passaram-se por volta 30 pessoas pela floricultura, o que não me surpreendia nem um pouco.
A Floricultura Sanches era a mais povoada da cidade e estava sempre cheia, de namorados ou maridos, ou apenas um homem querendo agradar alguém. Eu era a funcionária que mais entendia de flores, por causa dos ensinamentos de mamãe. Raquel, a nova gerente, não ia muito com a cara de ninguém, mas eu cismava que era justamente comigo que ela tinha maior implicância, me olhava revirando os olhos e dava "bom dia" por obrigação.
Fiquei observando as tulipas holandesas, quando fui surpreendida por um rapaz, não tinha mais do que 25 anos e 1,89m de altura.
-Com licença, você poderia me ajudar?
Andando até a direção dele, pude ver que ele tinha os olhos inchados e estava vestindo um terno preto.
-Ah, claro. Do que você precisa ? -respondi.
-Flores para um funeral. Minha mãe acabou de morrer, e ela amava flores. Quero levar as mais lindas para ela.
Senti um frio na espinha e me vi exatamente como ele. Comecei a pensar em mamãe e em Tom, e finalmente consegui desviar o pensamento focar no trabalho.
O rapaz era lindo, não tanto, não aqueles de perder a concentração, mas ele era de uma beleza simples, porém, as rugas em torno de seu olho, era o que mais me deixava aflita. Ele estava exatamente da maneira que fiquei quando perdi mamãe.
-Sua mãe tinha preferência com alguma flor? -perguntei olhando ao redor dos mostruários.
-Na verdade sim, ela gostava de girassóis. -Ele respondeu com uma voz triste.
-Você gostaria de levar os girassóis ? Estão fresquinhas, e dentro da estufa.
-Por favor. -Ele respondeu me encarando.
Peguei minha pá e fui até a estufa, indo na parte dos girassóis. Colhi a quantidade que daria para fazer um buquê de funeral, então levei até o rapaz. Comecei a fazer a nota, quando ele me surpreendeu quase sussurrando:
-Você é muito sortuda. 
-Desculpe, o que disse?
-Eu disse que você é sortuda.
-Poderia saber o motivo ? -perguntei sem olhar para ele.
-Você ao menos tem uma mãe, para cuidar de você, e te dizer qual flor é mais bonita e te contar sobre elas.
-Na verdade não. Eu também não tenho mãe. -Respondi olhando para ele pelo canto dos olhos.
-O que aconteceu com sua mãe?
-Ah, é, eu prefiro não falar disso. -Falei tirando a nota e entregando à ele.
Ele assentiu e foi direto no caixa pagar, sem desviar os olhos de mim. Ele parecia muito triste, e eu me identifiquei por que a mãe dele também gostava de flores, e as palavras que ele pronunciou, me deixaram mal.
Senti que a lágrima ia começar a escorrer, quando Raquel me disse que havia uma encomenda para ser entregue.
-Anna Miller, é um buquê de rosas vermelhas com rosas brancas. Entregar nessa rua anotada. O cartão já foi feito pelo cliente e já está tudo pago. Quando você acabar, entregue ao motoboy ele vai levar até o endereço. Alguma dúvida ?
-Não, obrigada. -Respondi analisando o papel que ela me entregara.
Quando Raquel saiu, me virei e fui até a estufa novamente. Com os olhos cheios de água, apenas deixei que elas caíssem, já que não poderia beber.

                         *********

Acabando meu turno, às 18:30 da tarde, resolvi ir até o cemitério visitar mamãe e Thomas. Eu estava com as rosas brancas que havia colhido e havia comprado um avião, era o que Thomas gostava.
Lembro-me do dia em que mamãe me levou para conhecer um canteiro que ficava na fazenda onde as flores eram enviadas para a floricultura. Conversamos muito, enquanto Tom brincava de avião pela fazenda. Mamãe me explicou sobre cada flor e o por quê de serem famosas pela sua beleza, e não terem um cheiro tão agradável. Eu começara a me interessar por flores e sonhava em ser como a minha mãe, uma ótima gerente de floricultura. O sonho dela sempre fora abrir uma floricultura própria, onde ela poderia cuidar de tudo, e ter um lugar bonito para observar as flores, enquanto satisfazia os clientes com sua beleza e carisma.
Tentei ligar para o meu pai, para avisar que eu demoraria à chegar, porém, ele não me atendeu.

Já perto do cemitério, percebi que estava lotado. Havia pessoas chorando por toda parte, enquanto as crianças brincavam de esconde-esconde. Quando olhei para uma árvore, vi o garoto que fora comprar os girassóis para a mãe mais cedo e logo deduzi que poderiam estar enterrando a mãe dele. Com meu instinto dizendo que eu precisava ir lá, fui até ele e vi quando ele olhava para o chão e cortava as folhas com as mãos.
-Oi. -Eu disse.
-Ah, oi.
Sentei-me ao lado dele e vi quando ele me olhava pelo canto do olho.
-O que você veio fazer aqui? -Ele perguntou depois de um longo silêncio.
-Trazer flores para minha mãe. Eu não vou te perguntar, porque já sei o que você veio fazer aqui.
Ele abriu um sorriso de tristeza e apenas assentiu.
-Ela era maravilhosa. O sobrenome dela era força. Ela era forte, tinha tudo o que ninguém tinha, além do mais, ela lutou até o final. Eu sei que lutou. Mas nem todos as rainhas conseguem vencer a batalha. -ele falou olhando para o céu nublado.
-Eu sinto muito. Como você se chama?
-Eduard. E você ?
-Anna.
-Não, você se chama Anna Louise Miller.
-Como sabe ? -Perguntei abrindo um sorriso sincero.
-Eu vi no seu crachá.
Eu apenas assenti e continuei a observar as flores que estavam na minha mão e o aviãozinho de Thomas.
-Sua mãe era pilota ? -Ele mais uma vez quebrou o silêncio.
-Ah não, esse avião é para o meu irmão.
-Não gosto de funerais. Apenas trouxe as flores e me sentei aqui. Odeio ver o caixão descer a sete palmos e saber que quem está ali, foi quem cuidou de mim, quem me deu de comer e quem mais me amou na vida. Dói saber que não vou ter minha mãe por perto mais. Você não sabe o quanto dói, Anna.
-Eduard, perdi minha mãe e meu irmão. É claro que eu sei o quanto dói.
Comecei a lembrar de tudo que havia acontecido, e senti meus olhos se encherem de lágrimas. Levantei e assenti para Eduard.
-Eu realmente sinto muito, Eduard. Espero que fique bem.
Ele não assentiu, não negou nem disse nada.

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