O terror continua

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POV SAM
Eram duas da manhã aqui em Londres. Depois da Lara ter adormecido fiquei mais um pouco com ela e de seguida fui buscar um café. Quase que parecia um zombie, já não dormia nada de jeito desde que a Lara ficara nesta situação, por isso preferia tentar ficar acordada. Sentei-me um pouco num dos assentos e soltei um longo suspiro, sentia felicidade porque ela acordara, cansaço porque me preocupo demais, tristeza porque não me dissera que partiria numa aventura, neste momento eu era uma mistura de sentimentos e não me agradava nada.
No hospital predominava a calma, não se passava muita coisa a esta hora, via-se um enfermeiro ou outro a passar pelos corredores, mas de resto nada mais.
Uma ligeira dor de cabeça voltou a atacar-me.
"Não!" Sussurrei tentando controlar-me. Antes que pudesse voltar a pensar no que quer que fosse ouvi gritos vindos do quarto da Lara. Levantei-me rapidamente e entrei pelo quarto a dentro. O monitor cardíaco não mostrava quaisquer sinais vitais, pois a Lara estava no chão e tinha-se soltado dos fios no processo. Ouvia-a gritar, agitar-se e movimentar-se violentamente no chão. Corri para ela e vi que a roupa que ela trazia vestida tinha sangue na zona do abdómen, provavelmente os pontos arrebentaram com os seus movimentos bruscos.
"Lara? Lara!" Não se devia acordar um sonâmbulo, nem sabia ao certo se ela estava sonâmbula. Tentei sentá-la no chão e abanei-a levemente. Ela continuava com os olhos fechados e agora chorava. De repente abrira os olhos e olhava-me confusa.
"Dói..." Foi a única coisa que ela me disse.
"Eu sei querida, eu sei. Lamento Lara, deixa-me ajudar-te a subir para a cama."
Uma enfermeira entrou no quarto naquele momento e perguntou o que se tinha passado, eu contei o que tinha visto e depois ela chamou mais alguém para a levarem para lhe fecharem de novo os pontos. Não entendi o que se passou, ela quase pronta para ir para casa e agora tinha aberto a ferida de novo, não costumava ter estes ataques e isso mais uma vez me preocupava. Não podia mesmo sair de ao pé dela.
Acabei por adormecer de exaustão, na cadeira ao lado da cama da Lara, fui acordada pelo barulho dos enfermeiros a trazê-la para o quarto e a colocarem na cama.
"Como é que ela está?"
"Já fechámos a ferida e ela agora irá dormir durante algum tempo devido aos analgésicos, seria melhor não esperar que ela acorde, pois pode demorar."
"Eu tenho tempo. Tenho sempre tempo para ela." Disse olhando para a sua cara pálida.
E assim fiz. Fiquei à espera que a Lara acordasse e quando ela o fez eu fui logo ter com ela e afagei o seu cabelo despenteado e perguntei-lhe como é que se sentia e se me sabia dizer o que se tinha passado. Ela só referia bocados fragmentados do pesadelo que teve. Contou-me que já não era a primeira vez que tinha este tipo de pesadelos que lhe provocavam lesões ou descuidos, como vómitos.
"Lara, eu disse-te que devias ter continuado a ir à terapia, mas como sempre fazes o oposto ou distorces o que o terapeuta diz."
"Desculpa está bem?! Mas também não deve ser por isso que os pesadelos voltaram. Agora também não estou no melhor estado para discutir isto contigo."
"Sim eu sei que estás frágil, mas tens de entender que eu tenho razão e só me preocupo contigo."
"Não te preocupaste antes, por isso agora nem venhas com isso. Sai." Ouvi a Lara dizer virando-me a cara. Fui um pouco apanhada desprevenida e não sabia muito bem o que lhe dizer. "Falamos noutra altura, agora não."
"Como queiras, Lara. Noutra altura então."
Saí do quarto e sentei-me nos bancos. Fiquei a olhar para a parede, não esperava mesmo que a Lara trouxesse coisas do passado ao de cima, pensava que já tínhamos ultrapassado isto tudo que acontecera entre nós, mas parece que ela ainda se sente magoada por a ter deixado. Mas que grande lata... Ela também me deixou, porque haveria de achar que ela tem razão?! Não... Não vamos voltar a discutir, não agora. Só quero que façamos as pazes, não é que tenhamos estado furiosas uma com a outra, havia era aquele sentimento de frieza e de uma certa distância por parte de ambas. Mas se uma se afastava a outra recebia a mensagem e acabava por se afastar também. Talvez esse tenha sido o nosso erro, o meu erro... Agora não vale a pena chorar sobre leite derramado. O passado, tal como a própria palavra indica, é algo que já passou, não quero lembrar-me das merdas que eu fiz e do que a Lara fizera, talvez ela tenha sido a pessoa com menos culpa nisto tudo, mesmo assim, não quero ficar com a culpa toda para mim, pois isso é uma treta.
POV LARA
Dava voltas e mais voltas na cama, tanto quanto me podia mexer. Nem voltar a dormir conseguia, será que tinha de falhar em tudo nestes últimos dias? Falho com a Sam, falho com aquela mulher desconhecida e depois falho em não ter pesadelos. Com esta idade e ainda sinto que preciso de respostas a tantas coisas, não sei como me sentir, nem o que fazer para obter paz. Como fazer para não sentir amargura quanto à minha melhor amiga? Isso era algo que pesquisaria na internet, mas nem isso seria muita ajuda. Sentia-me inútil de novo, não podia fazer nada enquanto aqui estivesse. Queria ir-me embora, talvez recuperar em casa, sempre seria melhor que estar aqui a precisar de alguém que fosse comigo à casa de banho para ter a certeza que eu não me desequilibrava ou sei lá mais o quê.
Agora este estúpido pesadelo levou-me a mexer durante o sono, mas que raio fora aquilo. Isso custou-me mais uns dias neste hospital.
Desisti de tentar dormir e fiquei a apreciar o tecto, a televisão estava desligada e fazer qualquer outro movimento dava cabo de mim. "Isto é tortura, quero sair!" Disse em voz alta, mas sabia que o que dizia era em vão.
Por alguma razão sentia como se me observassem, era uma sensação desconcertante, arrepiava-me e nada parava este estado de agitação e foi assim até sair do hospital.
POV SAM
"Estás bem? Tens muitas dores?"
"Sobrevivo." Ouvi a Lara dizer enquanto a sentava confortavelmente no carro. "Argh."
"Não tarda nada já poderás descansar, eu vou levar-te para o apartamento que aluguei aqui em Londres quando soube que estavas ferida." Sentei-me no lugar do condutor e liguei o carro, não andei a grandes velocidades pois não queria fazer paragens ou curvas bruscas, apesar de até gostar de andar rápido, mas a Lara vem primeiro.
"Mal posso esperar para beber chá com açúcar, podem pensar que o chá é melhor sem isso, mas quem o disser que esteja calado, aquela mistela era horrível, nem sei que chá era!"
"Depois faço-te um chá fabuloso, feito com especiarias do Japão, vais adorar e vais ver que esqueces logo essa má experiência com chás."
"Espero bem que sim."
Sorri para ela e ficámos em silêncio durante uns minutos depois a Lara voltou a falar. "Desculpa, Sam."
"Desculpa pelo quê?"
"Vais mesmo obrigar-me a dizer? Por ter sido assim para ti nestes últimos tempos."
"Ah isso... Não faz mal Lara. Melhores amigas discutem às vezes, mas fica sempre tudo bem. É normal."
"Nós não éramos unicamente melhores amigas, ambas sabemos isso e também sabemos que as discussões são por causa disso."
"Lara não vamos ter esta conversa, pois não? Nenhuma de nós gosta de falar disto."
Esta conversa não me agradava nada.
"Mas talvez devêssemos falar, porque claramente há muitas pontas soltas e mal entendidos presentes!" Ela agora falava alto quase a gritar.
"Lara acalma-te."
"Não acalma-te tu! Estou a tentar resolver isto e tu estás a varrer para debaixo do tapete! Pára!"
Enervei-me e parei bruscamente no meio da estrada. O alarme do meu carro disparou sozinho e as luzes ligaram-se todas. Os carros atrás de mim pararam bruscamente e os condutores começaram a buzinar e a dizer obscenidades.
"Sam!"
Controla-te fodasse. Que estás a fazer idiota.
Olhei para a pessoa ao meu lado, a Lara contorcia-se um pouco provavelmente cheia de dores e olhava para mim chocada.
"O que se está a passar?"
"Não sei... Limitei-me a parar o carro e ficou doido."
"Eu não sei como um carro funciona para além de o conduzir e a meu ver devias levar isto à inspeção ou algo assim."
"Sim, claro... Quando tiver tempo." Ela acenou com a cabeça, concordando com o que dissera. Voltei a ligar o motor, a minha mão tremia descontroladamente.
"Sam..."
"Lara... A sério. Eu acho que está tudo bem. Ambas passámos por momentos traumáticos... E, pronto sei lá, nada do que se passa agora tem a ver com o que se passou na altura da faculdade e eu preferia não falar disso."
"Estás a fugir ao centro da questão Sam, fazes sempre isso. Também não gosto de falar em coisas do passado, mas..."
"Então se também não gostas, não fales, simples."
"MAS acho que já temos idade para enfrentar o nosso passado e não agirmos como adolescentes."
"Não entras no meu carro para me insultar e dizer que não tenho maturidade. Não tenho mesmo paciência." Já não era eu a falar, era a raiva. "Só... Quero dar-me bem contigo, mas tu continuas a falar do passado."
"Não devemos ficar presas a ele, mas devemos lembrar-nos de vez em quando, no momento certo."
"E definitivamente este não é um deles."
Ouvi-a suspirar e mexer-se um pouco, olhei pelo canto dos olhos, ela tinha-se encostado à janela e fechado os olhos, como se em desistência.
Agira mal?
Não.
POV LARA
"Tens aqui um belo apartamento. Não quero incomodar, podias ter-me levado para minha casa."
"Não sejas tonta, eu aluguei um apartamento com dois quartos já a pensar em nós... Quer dizer a pensar em ti."
Sorri, o que ela dissera tinha duas interpretações diferentes, mas nenhuma delas me deixava com mau estar. Muito pelo contrário, quando a Sam falava em 'nós' eu lembrava-me dos bons momentos entre as duas, mesmo que também tenhamos tido maus.
"Obrigada."
"Não me agradeças... agora põe-te à vontade que eu vou preparar um chá como tu tanto gostas."
E assim fiz, deitei-me no sofá bem esticada para não romper os pontos. Estar numa ilha tinha sido mais fácil... Pelo menos não tinhas ninguém a chatiar-te para estares quieta ou não fazeres isto ou aquilo.
Alguns minutos depois a Sam apareceu na sala com uma travessa com uma chaleira, duas chávenas e como não podia deixar de ser, um pequeno recipiente com açúcar. Ela começou a servir o chá, pela sua cor meio acastanhada meio avermelhada podia presumir que era chá Hojicha, o seu aroma também era suave e doce. A Sam gostava imenso deste chá, ela contara-me que a sua ama lho dava sempre porque era adocicado.
"Conheces-me tão bem." Disse sentado-me.
"Nisso concordamos." Ela sorriu para mim, sentou-se a meu lado e eu senti um nó na garganta. Esforçava-se tanto para tomar conta de mim, mesmo que eu não precisasse dos seus cuidados. "Agora bebe o teu chá miss Croft."
Era difícil conter um sorriso quando ela era tão fofinha para mim, mas ainda não tinha esquecido o que tinha acontecido no carro ainda à pouco. O que acontecera ao veículo fora mesmo estranho, talvez esteja a ficar psicótica, talvez seja só impressão minha. Ainda tínhamos de falar de nós, sentia que tinha de ser falado, a Sam não queria, de certa forma acho que a compreendo, mas eu queria falar de nós na mesma.
"Sam desculpa por ter ido para a Sibéria sem te dizer nada, mas tu estavas no hospital, não me querias ver. Eu não quis intrometer-me e contrariar-te." Tentei ganhar o fôlego pois falara rápido. Ela deu mais um gole de chá e depois pousou a chávena no pires e colocou-a na mesa.
"Não faz mal." Lá estava aquela frieza da parte dela, é como se evitasse a todo o custo que por alguma razão todas as nossas conversas fossem dar ao ponto chave, que era o nosso passado, de certa forma. "Também não agi bem, Lara. Desculpa." Ela aproximou-se mais de mim, ficando só a uns pequenos centímetros de distância da minha cara. Depois pressionou os seus lábios na minha bochecha e acariciou-me a outra. "Eu agora vou ver o que posso comprar para comer-mos ao jantar, está bem? " Senti logo a falta do contacto dos seus lábios aconchegantes na minha pele, ao mesmo tempo que ficara um pouco confusa com a sua diferente demonstração de afecto, que não era muito diferente, só algo que já não acontecera há uns tempos e podia jurar que tinha sido esquecido por ela. Enganara-me.
"Podes continuar a beber o teu chá, depois se quizeres descansar podes deitar-te naquele quarto." Ela apontou para a divisão que tinha sido escolhida para mim. Agarrei-a pelo pulso e ela que já me tinha virado as costas, parou, olhou novamente para mim e depois para a minha mão. Eu fiquei a afagar-lha, olhava para os seus olhos, para as nossas mãos sentindo uma certa nostalgia ao fazê-lo.
"Tem cuidado, Sam." Acabei por dizer, suspeitando que aquela situação de carícias se tinha tornado um pouco constrangedora.
"Sempre, Lara... Ou melhor dizendo, quase sempre." De certeza que ela se referira ao que se passara na ilha e hoje na estrada a caminho de casa, mas uma coisa é certa, eu quero que ela tenha sempre cuidado e se não o tiver tenho eu pelas duas.

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⏰ Última atualização: Mar 13, 2017 ⏰

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